quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Que Natal queremos ter, afinal?



Chegámos ao Natal. Muitos já sabem as promoções para esta altura do ano. Muitos de nós já sabem que naquele sítio há aquele artigo com grande desconto. A maioria de nós já sabe que aquela prenda  é para  aquela pessoa. Já sabemos sempre tudo, ou achamos que sabemos.

Não sabemos nada. Nada. Sabemos o que nos impingem, sabemos o que querem que nós saibamos. O poder da publicidade é enorme: a televisão, os jornais, a rádio contribuem para que a publicidade seja para promover o  lado mais fútil da vida. Serve para nos mostrar aquela prenda, aquele produto, aquela coisa que um dia se esgota e cujo valor que damos tantas e tantas vezes é momentâneo e termina no lixo pouco tempo depois de o usarmos. Só há uma coisa que todos podemos tornar eterna: a solidariedade. E mais outra: a bondade. E outra: a generosidade. E por fim outra: o amor ao próximo. E é disto que se faz o Natal. É disto e de nada mais. Natal é sabermos que os nossos estão bem e fazermos tudo para que aquele ou aquela que até nem nos pertence esteja bem e tenha um Natal digno.

Presentear alguém é um acto nobre, ninguém discute isso. Mas esta crise que parece eterna podia servir para oferecer-mos uns aos outros novos presentes, prendas recheadas de profundos e fortes sentimentos próprios de seres humanos que insistem em dizer que somos.


E isto não se aplica a nenhum grupo em especial. Isto é para todos nós. É para nós que tantas vezes nos esquecemos de que há vida para além da nossa. É para nós quee tantas vezes optamos por não ajudar aquela pessoa só porque é diferente de nós, só porque nasceu naquele país que continuamos a tratar como inferior, só porque cresceu numa família que foge ao comum, só porque nasceu naquela etnia, só porque tem outra cor, outra idade, outra religião e por aí em diante. Talvez seja por isso que seja notícia todos os dias variadas tragédias: crianças a sofrer violência física e psicológica nas nossas escolas, jovens que querem desistir, idosos cada vez mais sós, tantas vezes agredidos verbal e fisicamente. Ora Natal é integração, é solidariedade franca e genuína, é amor ao próximo tudo o que foge a isto não passa de uma máscar daquulo que o ser humano poderia e deveria ser.

José Saramago escreveu um dia: "Se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne e sangra todo o dia." Pois bem o coração de um ser humano vigilante também é de carne e sangra com a dor com que todos os dias nos confrontamos a precisarmos daquele gesto, daquela palavra, daquela atenção.
Natal é isto: é olharmos para cada um enquanto nosso semelhante independentemente de tudo o que nos distingue. Errar todos erramos, podemos é tentar melhorar a cada dia que passa.  Vamos tentar?
Um santo e feliz Natal para todos!

(Texto publicado na edição nº 14 do jornal OrgenSempre de Dezembro de 2014)

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Perdoo-te mas tenho saudades, avô

Há precisamente 3 anos partiste. Eram 18:30h quando recebi uma chamada a comunicar a tua viagem. Não consegui acreditar. Achamos sempre que estamos preparados para que isso um dia venha a acontecer. Somos sempre fortes e garantimos a toda a gente que estamos já há espera, que mais dia menos dia isso pode acontecer, tentamos mostrar e convencer-mo-nos (sobretudo isso) de que a morte é uma coisa certa e que todos nascemos e necessariamente todos iremos morrer. É uma ideia pré concebida tal como outras que nos incutem. Mas esta faz parte do conjunto das ideias que servem para atenuar algo que não é passível de ser atenuado. Porque sendo inevitável, custa, dói, magoa, fere, mata-nos um pouco. Parte de nós vai com quem partiu. Comigo, avô, foi exactamente assim. Mas ganhei outra coisa: ganhei força, sim, a tua força. Sou hoje alguém mais forte, mais convicto, mais certo do que sou e do que quero ser. Tal como tu. Exactamente como tu. Sou divertido, ganhei de ti esta forma alegre de estar na vida. Sou também triste, tenho umas belas "trovoadas", herdei isso também de ti. Sem a tua presença, é claro que perdi mais coisas: perdi a base da família. O destino não me permitiu conhecer a avó, essa mulher lutadora, forte, pilar da família, que tu amaste à tua maneira. Ela sabia-o e perdoava-te algumas falhas naturais de uma relação. Consigo lembrar-te nos melhores e nos piores momentos. Sei exactamente o que dirias nesta ou naquela situação. Lidavas bem com a vida. Via-te poucas vezes, ultimamente. Mas tinhas orgulho em mim e no que estava a tentar fazer por mim. Admiravas-te da vida que levava na capital, ficavas contente por saberes que todos os dias eu via a Catedral, o estádio do clube que tu não gostavas mas que até suportavas por ser o meu. Ficavas espantado porque eu dominava o mapa do metro e eu tentava explicar-te que no teu tempo era uma coisa bem mais complexa, porque era novidade. Hoje é tudo mais simples. Não compreendias. Talvez quisesses dar-me os louros dessa (suposta) conquista.



Contigo aprendi que a vida é muito mais que dinheiro, é importante estar cá e aproveitar cada segundo. Ligar o rádio e pô-lo em altos berros só para ouvir o teu Marceneiro, a minha Amália, os nossos ranchos folclóricos e até o Roberto Carlos que a mãe adora. Sei que hoje estás aí a olhar para mim. Deves saber que estas datas são estupidamente tristes. Não quero lembrar do que senti quando te vi deitado, gélido, na cama. Não consegui tocar-te. Preferi lembrar as nossas sardinhadas, o jogo da sardinha que tu perdias e dizias que tinha sido eu a levantar as mãos primeiro. Recordo de ti uma imensa coragem. Cegaste e durante mais de uma década viveste desse modo. Aceitando um qualquer desígnio de Deus, da vida, do destino. Herdei também essa força de ti. Sim, essa tua força de aceitares e nunca desistires para, dentro dessa condição, seres feliz. E foste-o. Nunca me esquecerei do teu sorriso. Mas não te vou perdoar teres-te ido assim. Na véspera tínhamos estado a falar ao telemóvel. Eu sabia que tu querias vir cá acima passar o Natal, ouviste-me e reconheceste-me. E sabes, hoje, que naquela altura já eram menos as pessoas que reconhecias, apenas pela voz. A velhice estava a atrapalhar-te. Mas naquele momento sabias que era eu. E disseste que vinhas, avô, tu disseste. E não vieste. Hoje, ainda hoje não te perdoo esta partida. Foste viajar e deixaste-me assim, sem um até já. Mas outra força diz-me que te tenho que perdoar. A tua vida aqui, onde todos estamos a padecer porque esperamos o que nos contam e suplicam para esperar, estava a ser bastante dolorosa. Eu sei, e por isso perdoo-te. 


Lamento que hoje não estejas aqui, mas sei que aí onde estás vais-me sempre guiar. Até ao fim da minha vida. Que pode ser hoje, amanhã ou depois. E sei também que tinhas este lema: vive a tua vida. Eu vivo-a. E tenho noção de que vou deixar pegada, sei que tentei marcar a minha presença. Tal como tu fizeste com a tua própria vida. Não encares isto como um bilhete ou carta de despedida. É uma homenagem, Já a merecias. 

Serás sempre o meu avô, Apesar de todas as nossas falhas, fomos sempre mais fortes do que elas. Por isso é que a nossa ligação consegue fintar e ser mais forte que a tua viagem definitiva. Sei que um dia vamos estar de novo juntos. E aí vais-me explicar porque me deixaste assim, sem te poder dizer um adeus. 

Até lá, fico por cá, a lembrar-te. Adoro-te.

(12.12.2013)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A crise e o regime de colaboração casaram. Foste convidado/a?



- Crise, aceita o regime de colaboração como seu legítimo esposo, e promete amá-lo e respeitá-lo mesmo quando um licenciado estúpido se aproximar de vós e pedir que o vosso casamento acabe até que algum governante decente agarre nisto tudo e ponha as pessoas a receber condignamente e os verdadeiros responsáveis no devido lugar?


- Regime de colaboração, aceita a crise como sua legítima esposa e promete amá-la e respeitá-la até porque se não o fizeres nunca te vais safar porque é ela que te faz sobreviver. Prometes manter-te fiel até que já não haja jovens neste país ou porque saíram daqui ou porque desistiram de viver?




Foi assim. Já estão casados e quem foi convidado sabe bem quão linda foi a cerimónia: do lote de convidados só se avistavam governantes, grandes empresários, patrões, sindicalistas pouco preocupados com quem “trabalha”, banqueiros, gente que manda neste país, políticos em geral, deputados em particular. Este casamento continua a matar a criatividade, o mérito, a capacidade de ir mais longe. E perdura graças à vergonhosa legislação laboral e ao evidente não proteccionismo que os jovens licenciados vivem neste país. 

Quem foi convidado a participar neste casamento sabe que crise e regime de colaboração é claramente um casamento de conveniência. À crise convém o regime de colaboração porque dele resulta a justificação para muito patrão dizer que não há dinheiro  e que só pode oferecer trabalho exigindo a quem o aceita que se ofereça literalmente, já que a relação laboral é feita a troco de nada ou de quase nada. Ao regime de colaboração convém a crise porque é nela que ele ganhou ainda mais notoriedade e visibilidade, sente-se importante e famoso. 

Casamento perfeito. Palmas. Arroz. E foram felizes para sempre.

PS: A meio da cerimónia perguntou-se se alguém tinha alguma coisa a dizer contra este casamento ou então que se fizesse silêncio para sempre. 
Se queres que este casamento acabe faz ouvir a tua voz ou cala-te para sempre. Assina esta petição para que a voz de quem está nesta situação seja ouvida. Assina para que se acabe com a vergonha dos estágios gratuitos.  http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=BarnabeSousa

Podemos ao menos tentar?

Lembra-te que quando quiseres que te defendam já só restarás tu se continuares com a postura de não te preocupares com nada à tua volta. Queres que isto continue? Deixa correr a cerimónia. Não queres? Levanta-te e grita, revolta-te!

O futuro é nosso. Acordai!

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Sobre praxes e afins: escondam-se, sff

Viseu, todos nos orgulhamos é a melhor cidade para viver. Como decorreu a eleição, não sei, há quem diga que pouco interessa, há quem releve muito. Eu estou no meio. Não dou tanta importância quanto isso mas puxo disto quando me estão a deitar para baixo por ter sotaque beirão. 

Ora Viseu que é belíssima pelos enormes, verdes e floridos jardins tem, nesta altura do ano, que conviver com uns destrói paisagens que andam, caminham, emanam barulho, algum deste barulho cheio de grosserias a lembrar outros tempos, enfim, perturbam esta beleza que nos colocou no top das mais belas cidades para viver. 


Chamam-lhe praxistas e praxados. Eu diria que é gente que dá pouco uso ao cérebro. Sobre praxes já disse muito, se calhar mais do que devia, já batalhei muito contra estes episódios, por vezes mais do que a razão permitiria, já me mostrei acerrimamente contra. E continuarei a sê-lo. 


Mas como gosto de dar soluções, cá vai uma. Isto das praxes, para além de um atentado à dignidade humana para com os praxados, é uma violação do espaço público para todos os que têm que levar com isto. É que as praxes não se ficam pelas universidades: pois, elas próprias (finalmente!) começaram a perceber que nada disto é útil, nada disto é razoável, nada disto eleva o espírito universitário e muito menos brota dali um fruto iluminista de um pensamento próprio que devia fazer jus ao ensino superior. Nada disto ali está. E então, não se contentando em humilhar gente junto e dentro das faculdades, a malta sai e passeia-se. 

O cenário vi-o mesmo agora: malta com bata preta a ordenar coisas a um conjunto de outros seres humanos (quer dizer, os primeiros não pertencem na maior parte dos casos a esse lote tão nobre, enquanto praticam estas porcarias, para não usar a palavra do Luís Pedro Nunes e gerar polémica, mais polémica), que baixam a cabeça, submetem-se, não esboçam um sorriso, ficam por ali a tentar olhar para o chão, encontrando nele a solução para que o tempo passe mais rápido. É que lhes impingiram na maior parte dos casos que esta tradição faz sentido, esta tradição merece continuar, esta tradição enobrece a malta. E numa coisa a praxe cultiva os caloiros: é que eles apreendem claramente o traçado da calçada portuguesa. Palmas à praxe e a quem praxa. Removo já aqui, o que disse (esbofeteio-me nesta altura..): que a praxe não é cultura. Nada disso. Uma tradição que coloca caloiros a vislumbrar, apreciar, quiçá idealizar novos traçados para a calçada portuguesa merece efectivamente continuar. 


No entanto eu não preciso de saber que a calçada portuguesa está a ser valorizada. É que por sinal eu nem gosto muito da dita pedra organizada. Então fica aqui uma sugestão: em primeiro lugar falem mais baixo e adaptem os termos que mandam os caloiros gritar. Sim, mandam e sim, eles gritam. Podem sempre tornar menos grotesco o vocabulário, ajudava. Pronto já ficava melhor. Mas bom bom era taparem-se tipo como no circo: agarravam num pano (e podiam escolher a cor e tudo!!) "embrulhavam" o caloiro, seguravam o pano em cima para ficar bem escondido e o dito caloiro ficava lá dentro com um praxista e lá lhe dizia tudo o que queria e ele teria que repetir tudo (tudo como já é feito). Vêem... afinal eu sou sensível à tradição!! Tanta gente a dizer mal de mim. E o resultado final era exactamente como no circo: depois de abanado o pano, no fim de tudo surgiam não um amestrado e um "mestre" mas dois mestres prontos a amestrar outro coitado. 

Fica combinado? 
Façam-nos um favor da próxima: escondam-se!


domingo, 5 de outubro de 2014

Porque gosto de: Amália Rodrigues (II)


O primeiro texto foi dedicado à mulher mais importante da minha vida. Este segundo texto é dedicado à mulher portuguesa mais importante de todos os tempos. Quis o destino que se chamasse Amália da Piedade Rodrigues, quis o destino que um dia fizesse do destino uma canção. Amália estava destinada a cantar o destino, o fado, a saudade, a angústia, a tristeza. Ela que tanto bebeu desses sentimentos para que o seu perfeito coração continuasse a bater. Mas vamos por partes.

Gostar de Amália é gostar de Portugal. Ponto final. Nem vou entrar pelos prémios que com a nossa bandeira aos ombros foi conquistando. Amália foi a bandeira de Portugal durante anos a fio e negar isso é ser hipócrita, é mentir, é aldrabar a história. Num tempo de um Portugal triste, cinzentão, obscuro, num tempo de um Portugal zangado com os portugueses, era Amália a única a puxar por todos nós com aquela voz que um dia Deus decidiu dar-lhe.


Gostar de Amália é ver nela um exemplo de mulher. Amália tinha a elegância de todas as rainhas e princesas que Portugal conheceu. Era humilde como qualquer elemento de um povo que lavava no rio para tentar afogar as mágoas. Era cultíssima, instruiu-se. Foi artista multifacetada como só três grandes ícones (a contar consigo) conseguiram ser: Callas e Sinatra.  Amália por isso é imortal.


É frase dela: Quando eu morrer façam o favor de chorar por mim. Querida Amália, chorar por si não é um favor, nem somente um pedido. É uma ordem. Este povo tem que chorar por si. Chorar, aqui, é claramente no sentido figurado. Amália até nisto era brilhante. Chorar por Amália é ouvir a Lágrima e sentir naquela voz um desejo incrível de continuar a viver um amor impossível. É ouvir a Gaivota e sentir que cada letra, cada palavra nos revela o lado tão português que todos temos inevitavelmente. É ouvir o Estranha forma de Vida e sentir que ali está Amália na sua plenitude. Por mais anos que passem aquele "Foi por vontade de Deus" nunca será tão intenso como o de Amália Rodrigues. E chorar, chorar com estes fados, sentido neles a Diva. Amália era brilhante mas sobretudo simples. É frase dela também que ser simples é complicado. É esta multiplicidade de sensações que tornam Amália única.


Dizia Amália, que o fado não se canta, acontece. O fado sente-se, não se compreende, nem se explica. Disse também, e agora perdoe-se-me não conseguir citar absolutamente a frase, que tinha ttrês formas de cantar: cantava mal, cantava assim assim e cantava como podia. Nunca se achou a melhor de todos. É esta humildade sincera que fez dela a maior de todos. É só a melhor e vai continuar a sê-lo. Todos sabemos que cantou poetas (os mais importantes), cantou folclore, cantou música popular, cantou poetas revolucionários. Mas Amália não cantou apenas fado. Amália sentiu-o como ninguém porque ela era o Fado. Amália sentia-se só e bebia dessa energia da solidão para continuar a viver. Da solidão e da saudade, do saudosismo puro. Só assim se explica a letra do Lavava no Rio Lavava com o desejo de ter fome só para sentir o que sentia.



É isto, é isto que a torna magnífica. Amália era portuguesa, portuguesa como quem lê este texto, era de Portugal como quem escreveu este texto.  E eu continuarei tal como sempre fui: Amaliano convicto. É que isto de gostar de Amália não se aprende (em minha casa não se ouvia fado, fui eu que por mim comecei a venerar esta canção tão nossa), não se explica (por muito que transponha em palavras), apenas se sente. Por isto e por muito mais, por mais anos que passem:


Obrigado, Maior de todos nós. 
Obrigado, Amália Rodrigues. 

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

(I) - Por que gosto de ti, mãe

Ó mãe, quem melhor para eu elogiar neste primeiro “Por que gosto de…” do que tu. Deixar-te para último era uma injustiça até porque já lá vão 60 figuras de que gosto especialmente e a lista ia alargar-se e o teu texto haveria de ter que aparecer lá no meio dos outros. Ia perder significado.

Falar da minha mãe é das coisas mais complicadas que me podem pedir mas o desafio desta nova rubrica no blogue também não é fácil, de modo que vamos lá começar com a mais difícil. A minha mãe é a pessoa que mais amo neste mundo. Podem dizer-me que quase todos dizem isso relativamente às suas mães. Sim, verdade. Até porque mãe é mais do que quem dá à luz alguém. Mãe é quem está, quem ri contigo, chora por ti, é quem te incentiva, quem te motiva, quem está sempre certa numa sabedoria que à primeira vista não consegues alcançar mas um dia vens a perceber. É como aquela história: o não da tua mãe já te livrou de muitas situações complicadas e tu nem fazes ideia disso. 


Sei que não sou a imagem e semelhança de um filho perfeito. Como se a perfeição fosse atingível. Só Deus o consegue ser. Não sou perfeito. Como todas as mães criaste expectativas sobre mim que por vezes não consegui satisfazer. Desiludi-te muitas vezes. Sei que não fui bom filho em muitas situações mas tentei, juro que tentei. E quando foi preciso tu lá estiveste. Incentivaste-me na minha ida até Lisboa estudar mesmo que soubesses que te ia custar, que nos ia custar. A distância, a saída de casa, o não estar ali 24 horas sobre 24 horas. Mas ultrapassámos. Agora chegou outro desafio que também vamos ultrapassar. E a vida de filho e mãe é esta: batalhar, batalhar, batalhar. Sei que vamos conseguir ultrapassar este e outros desafios que a vida nos colocou. Porque soubemos ultrapassar o maior: soubemos sempre viver até aqui um para o outro, numa relação de pertença, não apenas pelo sangue que obviamente nos une, mas pela ligação mágica que uma mãe e um filho constroem. E esse foi o teu mais importante gesto heroico: fizeste de mim um homem, criaste-me, sempre com inúmeras dificuldades. Mas cá estou. Cá estamos. Devo-te isso e vou dever-te sempre isso. A coragem de criares um filho sozinha. És a maior, vais sempre ser.

Somos completamente diferentes, temos visões do mundo muitas vezes diametralmente opostas. Mas mãe e filho só têm que coincidir numa coisa que ajuda a tornar as outras todas autênticos “peanuts”: amor incondicional mútuo. E nisto, mãe, somos o ícone máximo. Correu sempre tudo bem? Não, nem podia, não ia ter graça. Houve dificuldades? Houve, e ainda bem que houve porque te tornaste a mais importante pessoa da vida de um ser humano: eu. Houve momentos maus? Claro que sim, mas soubeste fintá-los num acto de verdadeiro heroísmo. E depois de tudo isto, vieram os momentos mais felizes. E virão muitos mais.

Se tenho medo que chegue o dia que vais partir? Sim, tenho. Tenho muito. Quem nos vê na rua sabe que te costumo ajudar a caminhar para evitar que caias. Tenho receio que no céu, o tal sítio que nos contam ser belo, lindo, magnífico, espectacular, não te saibam acolher como mereces. Tenho medo que o chão do céu tenha lá alguns obstáculos que não merecias ter que ultrapassar. Tenho medo que caias por lá e eu não esteja lá para te puxar para cima, para te agarrar e dizer, “Calma, mãe, foi só uma queda pequenina, já ficas bem” ou então “Ó mãe, caiste mas já passou, vamos lá, eu ajudo-te a levantar”. Tenho esse medo, o que queres que faça?



É que isto de ter medo é uma coisa natural. Como natural e pura é a relação maternal. Sobretudo quando sei que fizeste tudo para eu hoje estar aqui. 
É que há mães, há excelentes mães e depois existes tu: a melhor.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

O Jorge que só não é génio porque génio não se escreve com jota

Texto de 30/05/2014.

Jorge Jesus, diz o Sol, pode ser visto (ou melhor, lido) como nunca foi nesta entrevista. Esta frase é típica de Jesus. Ele cria um sistema e os outros seguem-no. É egocêntrico mas nunca escondeu. É teimoso e também nunca o escondeu. É persistente (muito, mesmo quando por vezes não devia) e nunca o escondeu. Mas sabe de futebol como poucos. E isso faz dele o que é. Ora, só juntando o lado dele egocêntrico, teimoso, persistente, e claro a pouca facilidade na língua portuguesa com o lado sabedor, grande conhecedor, o tal mestre da táctica é que foi possível criar este mito real chamado Jorge Jesus.


Sobre a pouca capacidade de falar um português correcto... apenas respondo com a minha também incapacidade de falar e escrever a 100% em bom português. Neste mesmo texto haverá alguém a encontrar uma falha, duas, até mesmo três, outros verão cinco, outros 10 e vai haver quem ache que aquela vírgula não está bem ali e devia ir para o outro lado. Quantos universitários saem das universidades a saber e a dominar a língua portuguesa fluentemente e com categoria suficiente para criticar quem também não o consegue fazer? Todos os que me conhecem sabem que defendi JJ até à última. Lembro-me de há um ano ser um em mil a dizer que o senhor tinha qualidade, que o plantel ia ter qualidade e que o Benfica ia conseguir dar a volta. E ele conseguiu. Ele e o Benfica. O ano passado levou com muita saliva no Estádio Nacional e só ele sabe, e já o disse, o que lhe custou subir aquelas longas escadas, sobretudo mais longas para quem sai derrotado. 


Ele soube perder, e este ano também soube... ganhar. Soube, soube. E mostrou-o: na humildade, na calma nas respostas, o egocentrismo mais posto de lado. Dizem alguns que ele não consegue ser diferente. Sim, e Mourinho consegue? E Ronaldo consegue? Há um grande apresentador de televisão em Portugal (para mim o melhor) que uma vez disse que em televisão (e agora puxo a frase para o mundo do desporto) só se consegue fingir uma vez, à segunda o público dá conta. É aqui que JJ faz a diferença, ele não disfarça, ele é assim. E por isso mesmo tem aqui um fã. Assumidíssimo. Um fã não cego: alguém que consegue entender os defeitos mas gosta muito mais das virtudes. Enorme, JJ. Enorme.

terça-feira, 22 de julho de 2014

Parabéns, Diva.



Parabéns, Diva. 

Podia muito bem começar assim. Ou de outra forma. Escrever sobre Amália é qualquer coisa que me é difícil. Não porque me faltem elementos, mas por nunca saber a forma de os exprimir por palavras. Mas a Rainha do Fado faz hoje 94 anos. Não “faria”, nem “fazia”, nem “comemoraria”. Nada de passados, muito embora a própria fosse saudosista e fosse feita de saudade, de passado, de memórias. Era fadista, ponto. Amália faz hoje anos porque nunca morreu no coração e na memória de todos quantos a admiram. 


A maior de todos nós conseguiu atingir o nível onde só chegam os melhores pelo mérito, pela dedicação e pela humildade. Amália era só e apenas do povo e orgulhava-se disso. Dedicou a carreira a um povo que lavava no rio as mágoas de um futuro cinzento. E as lágrimas desse povo, deram a origem ao rio da saudade onde um barco negro navegou. No barco navegava um veleiro que triste cantava.  Ele e mais uma gaivota de esperança fizeram com que a voz de Amália fosse maior do que qualquer outra, e que o grito de Amália fosse mais forte do que outro grito qualquer. 

A melhor portuguesa de todos os tempos só não esteve na lista final do conhecido concurso de televisão porque vivemos ainda num país onde a mulher não conta para o totobola nem sequer mesmo tratando-se de uma das maiores referências de Portugal no Mundo. Para os mais distraídos, Amália foi considerada, juntamente com Maria Callas e Frank Sinatra uma das três maiores vozes do século XX por centenas de críticos reunidos em Nova Iorque. 



E reúne em minha opinião todas as características que definem um artista: a nobreza, a humildade, a presença, a imagem, a genuinidade, a capacidade artística, a coragem de cantar poetas conotados com um qualquer “vírus vermelho” e tão importante aquela voz que Deus lhe deu. Só assim Amália foi maior que qualquer um dos outros. O saber estar, o impressionante domínio de línguas estrangeiras que foi demonstrando, a dicção, a voz cheia de portugalidade, aquele sentimento de saudade tão e só nosso. Amália só podia ter nascido em Portugal. Quis o destino que assim fosse. E no dia de hoje só lhe posso agradecer por tudo o que nos deu. É que ainda hoje Portugal é Amália.

Parabéns, Diva.
Parabéns, Amália Rodrigues.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Os amigos não morrem: só olham por nós lá em cima

Fonte: http://www.22places.de/cemiterio-dos-prazeres/
Hoje foi dia de visitar uma amiga. Há coisas que não se conseguem explicar mas foi bom estar com ela. Bem sei que estamos sempre juntos. Acredito que qualquer vitória por mais pequena que seja é um bocadinho dela também, resulta da força que me dá. E também reconheço que as coisas não têm corrido tão mal porque ela olha por mim lá em cima.

Mas hoje esta amiga faz anos de vida. Faz. Ela faz anos. E fui dar-lhe os parabéns. Lá fui eu com uma flor na mão e numa cidade absolutamente entristecida com a crise, quando se vê alguém com flores parece que essa pessoa é obra dum ser qualquer extraterrestre.

Fonte: http://www.22places.de/cemiterio-dos-prazeres/
Há ligações que por mais que os anos passem nunca morrem. Ambos sabemos que oito anos depois continuamos os mesmos amigos. Lembro-me de ela andar sempre a dizer à minha mãe, “Olhe, olhe que o seu filho tinha jeitinho para ir àqueles concursos na televisão. Leve-o lá!”. É que passávamos tardes e tardes a jogar aos passatempos interactivos da televisão aqui há uns anos valentes. Lembro-me de conversarmos sobre a escola: como é que eu andava, como estavam as notas… E sendo eu fraco fraco fraco a Educação Física ela fazia questão de me lembrar de um aluno ou aluna já nem sei bem que era bom a tudo menos a Ginástica. Ahh como ali me sentia bem. O meu ego subia logo. Afinal eu não era assim tao bom a tudo mas ao menos era comparado a alguém que o era. E esta minha amiga era professora de Ginástica. Mais devia querer que fôssemos todos excelentes à cadeira. Mas não, sabia dar palavra certa, no momento certo, à pessoa certa, com aquela sabedoria e serenidade que não me lembro de ver em mais ninguém. E falávamos de política, do Soares, do Sócrates, da importância de votar. E sempre me ia alertando: tenta sempre fazer o melhor que podes em tudo o que fazes.

E hoje, lá estive eu. Estes sítios são locais de grandes lições de vida. Não gosto de estar ali muito tempo pelo facto de pensar que muitos dos que ali estão faziam falta deste lado. E o número de jovens… tantos túmulos com fotografias de rapazes e raparigas de vinte, trinta anos que já partiram. Valerá à pena tanto ódio, tanta avareza, inveja, discriminação, avareza, para todos terminarmos naquele ou noutro sítio igual?

Mas há ligações que a morte física não apaga. Essas valem tudo. Depois da vida não se sabe bem o que existe. Uns garantem tudo, outros asseguram que não há nada. Cada um tem as suas crenças, sabe o que sente. Eu sei que há malta lá em cima que me ajuda todos os dias a tentar ser melhor. É por isso que por mais coisas más que se cometam cá em baixo, há sempre amigos lá no alto a levantar-me o astral. Os que me fazem bem estão sempre comigo. Daí que acredite que o bem vai vencer sempre o mal. Sempre, sempre, sempre.

Obrigado por tudo, D. Sílvia. Os amigos não morrem. Até sempre. 

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Falta cumprir-se Portugal


 Fui até ao Rossio, acreditei, juro que acreditei.

Confesso que caíram lágrimas no pós 2º golo dos EUA. Não quero acreditar no que nos aconteceu. Tanta gente, um país a clamar por vocês, a garra de uma nação inteira, um país mergulhado na crise, na merda da crise, e vocês eram a nossa estrelinha. Eram o ponto de esperança. Só vocês nos poderiam ter feito brilhar. Só vocês. E sabiam-no. Tinham essa consciência. Mas envergonharam um país já prostrado, caído, derrotado, vilipendiado, humilhado. Vocês eram a única força que tínhamos ainda. Eram o que nos restava. E um país inteiro acreditou em vocês. 


Vi crianças a gritar pelo Ronaldo, a inocência deles quando o melhor do mundo tocava na bola era arrepiante. Arrepiava todos os que estávamos a vê-las naquele mundo encantado. Eles viveram uma história feliz, fizeram-lhes acreditar que era possível. Mas vocês não quiseram que a história continuasse. Humilharam-nos mais do que já estávamos, deram-nos a maior derrota possível: a de não lutar. Foi triste, triste, triste. Milhões de gargantas a gritarem por vocês, mãos magoadas de tantas palmas batidas, mulheres, crianças, mais velhos, vi famílias inteiras sentadas no chão, a acreditar, de cachecol em punho. Só vos peço uma coisa: saiam de cabeça erguida disto. Não nos humilhem mais. Estes "putos à solta" não podem ver mais uma vergonhosa exibição. 


Foi terrível. Shame on you. Ronaldo... ó Ronaldo e o Rei, Ronaldo? E o Rei? Onde fica o Rei Eusébio nesta história? Será que ele não merecia mais? Que falta de entrega, que falta de raça, faltou tudo, Ronaldo. Porquê, capitão? Porque razão nos ofereceram mais esta triste facada no nosso orgulhoso patriotismo. Hoje, sou tão português como ontem e como serei amanhã. Há quem não saiba ainda bem o que é envergar as quinas que Eusébio, Coluna e tantos, tantos outros vestiram e honraram. Portugal continua. Triste, envergonhado, entristecido, achincalhado, vergado. 



Mas vamos continuar. Afinal, há Camões, há Pessoa, há Saramago, há Amália, há Marceneiro, há Dulce Pontes, há Carlos do Carmo, há Paião, há Zeca, há tantos, tantos que me fazem ter orgulho de ser tão português quanto eles. Levantem a cabeça, por favor. E viva Portugal, sempre. SEMPRE!

O Império
(...)
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. 
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

(Fernando Pessoa, A Mensagem)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

13 de Junho, o dia dos génios: Variações, um artista irreverente num país apático

António Joaquim Rodrigues Ribeiro. Este nome não ajuda a identificar facilmente de que génio se trata. Mas ele foi e é, ainda é, um dos nossos maiores nomes, um nome enorme da cultura portuguesa. E quis o destino que, em Lisboa, no dia mais feliz daquela cidade, se despedisse de vez do mundo dos mortais, ele que ganhou o estatuto de imortal. Para a música ficou conhecido como António Variações mas quem gosta de se referir a ele rapidamente atira com um simples Variações e toda a gente sabe quem é. Tal como o Zeca ou o Paião. Há pessoas que por serem tão grandes basta referirmo-nos a elas através de um dos nomes. Acontece o mesmo com Amália, a Piaf, o Sinatra. Variações conquistou o seu espaço pela irreverência. Um cabeleireiro com uma voz invulgarmente fantástica, compôs e deu voz às suas letras e arranjos. Barbeiro, aliás, ele detestava ser chamado de cabeleireiro. E aos génios faz-se a vontade, barbeiro, Sr. Variações. E deste génio conhecemos músicas como a Canção do Engate, Estou Além, É p’ra Amanhã, Maria Albertina e tantas tantas outras. Foi da mente genial de António Variações que saiu uma das mais belas canções que se pode dedicar a uma mãe, no caso à sua, Deolinda de Jesus. 


Variações, dizem todos os que o conheceram de mais de perto, arrastava filas só para o ver a trabalhar na sua outra vida, entre barbas e cabelos. A sua morte ainda hoje está envolvida num enorme mistério. Aponta-se como causa da morte uma complicação respiratória causada pelo vírus que na altura se atribuía a todos os que tinham comportamentos sexuais “desviantes”. A causa de morte e a sexualidade de alguém é irrelevante neste e noutros casos. É que a marca, a tal pegada que cada um de nós deveria tentar deixar enquanto o coração insistir em bater, deve ser o foco. Infelizmente não é e muitos preferem agarrar nestes aspectos e fazer deles o ponto mais importante no percurso deste artista. Mas ele conseguiu sempre lidar de bem com a vida: fugiu a preconceitos, a ideias feitas e também por isso é um génio. Um génio bem avançado, demasiado avançado e extraordinário para aquele Portugal e para aquela sociedade ainda a caminhar para a modernidade. 


É um dos mais controversos e por isso mesmo um dos mais extraordinários artistas portugueses. Ele foi cantor, compositor e o que a vida o deixou ser em 39 anos de vida. E foi a luz num Portugal retrógrado dos anos 60 e 70. A imagem de Variações prova-o, com um estilo irreverente, anos-luz à frente do que a maioria dos portugueses levava muito por força de uma época cinzenta e opressora. E mostrou que, quando há vontade, cada um de nós pode ser autêntico. Ele foi-o e ainda hoje o lembramos por isso. Na música e na vida que terminou a 13 de Junho de 1944.