Há precisamente 3 anos partiste. Eram 18:30h quando recebi uma
chamada a comunicar a tua viagem. Não consegui acreditar. Achamos sempre
que estamos preparados para que isso um dia venha a acontecer. Somos
sempre fortes e garantimos a toda a gente que estamos já há espera, que
mais dia menos dia isso pode acontecer, tentamos mostrar e
convencer-mo-nos (sobretudo isso) de que a morte é uma coisa certa e que
todos nascemos e necessariamente todos iremos morrer. É uma ideia pré
concebida tal como outras que nos incutem. Mas esta faz parte do
conjunto das ideias que servem para atenuar algo que não é passível de
ser atenuado. Porque sendo inevitável, custa, dói, magoa, fere, mata-nos
um pouco. Parte de nós vai com quem partiu. Comigo, avô, foi
exactamente assim. Mas ganhei outra coisa: ganhei força, sim, a tua
força. Sou hoje alguém mais forte, mais convicto, mais certo do que sou e
do que quero ser. Tal como tu. Exactamente como tu. Sou divertido,
ganhei de ti esta forma alegre de estar na vida. Sou também triste,
tenho umas belas "trovoadas", herdei isso também de ti. Sem a tua
presença, é claro que perdi mais coisas: perdi a base da família. O
destino não me permitiu conhecer a avó, essa mulher lutadora, forte,
pilar da família, que tu amaste à tua maneira. Ela sabia-o e perdoava-te
algumas falhas naturais de uma relação. Consigo lembrar-te nos melhores
e nos piores momentos. Sei exactamente o que dirias nesta ou naquela
situação. Lidavas bem com a vida. Via-te poucas vezes, ultimamente. Mas
tinhas orgulho em mim e no que estava a tentar fazer por mim.
Admiravas-te da vida que levava na capital, ficavas contente por saberes
que todos os dias eu via a Catedral, o estádio do clube que tu não
gostavas mas que até suportavas por ser o meu. Ficavas espantado porque
eu dominava o mapa do metro e eu tentava explicar-te que no teu tempo
era uma coisa bem mais complexa, porque era novidade. Hoje é tudo mais
simples. Não compreendias. Talvez quisesses dar-me os louros dessa
(suposta) conquista.
Contigo aprendi que a vida é
muito mais que dinheiro, é importante estar cá e aproveitar cada
segundo. Ligar o rádio e pô-lo em altos berros só para ouvir o teu
Marceneiro, a minha Amália, os nossos ranchos folclóricos e até o
Roberto Carlos que a mãe adora. Sei que hoje estás aí a olhar para mim.
Deves saber que estas datas são estupidamente tristes. Não quero lembrar
do que senti quando te vi deitado, gélido, na cama. Não consegui
tocar-te. Preferi lembrar as nossas sardinhadas, o jogo da sardinha que
tu perdias e dizias que tinha sido eu a levantar as mãos
primeiro. Recordo de ti uma imensa coragem. Cegaste e durante mais de
uma década viveste desse modo. Aceitando um qualquer desígnio de Deus,
da vida, do destino. Herdei também essa força de ti. Sim, essa tua força
de aceitares e nunca desistires para, dentro dessa condição, seres
feliz. E foste-o. Nunca me esquecerei do teu sorriso. Mas não te vou
perdoar teres-te ido assim. Na véspera tínhamos estado a falar ao
telemóvel. Eu sabia que tu querias vir cá acima passar o Natal,
ouviste-me e reconheceste-me. E sabes, hoje, que naquela altura já eram
menos as pessoas que reconhecias, apenas pela voz. A velhice estava a
atrapalhar-te. Mas naquele momento sabias que era eu. E disseste que
vinhas, avô, tu disseste. E não vieste. Hoje, ainda hoje não te perdoo
esta partida. Foste viajar e deixaste-me assim, sem um até já. Mas outra
força diz-me que te tenho que perdoar. A tua vida aqui, onde todos
estamos a padecer porque esperamos o que nos contam e suplicam para
esperar, estava a ser bastante dolorosa. Eu sei, e por isso perdoo-te.
Lamento
que hoje não estejas aqui, mas sei que aí onde estás vais-me sempre
guiar. Até ao fim da minha vida. Que pode ser hoje, amanhã ou depois. E
sei também que tinhas este lema: vive a tua vida. Eu vivo-a. E tenho
noção de que vou deixar pegada, sei que tentei marcar a minha presença.
Tal como tu fizeste com a tua própria vida. Não encares isto como um
bilhete ou carta de despedida. É uma homenagem, Já a merecias.
Serás
sempre o meu avô, Apesar de todas as nossas falhas, fomos sempre mais
fortes do que elas. Por isso é que a nossa ligação consegue fintar e ser
mais forte que a tua viagem definitiva. Sei que um dia vamos estar de
novo juntos. E aí vais-me explicar porque me deixaste assim, sem te
poder dizer um adeus.
Até lá, fico por cá, a lembrar-te. Adoro-te.
(12.12.2013)
(12.12.2013)
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