sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Perdoo-te mas tenho saudades, avô

Há precisamente 3 anos partiste. Eram 18:30h quando recebi uma chamada a comunicar a tua viagem. Não consegui acreditar. Achamos sempre que estamos preparados para que isso um dia venha a acontecer. Somos sempre fortes e garantimos a toda a gente que estamos já há espera, que mais dia menos dia isso pode acontecer, tentamos mostrar e convencer-mo-nos (sobretudo isso) de que a morte é uma coisa certa e que todos nascemos e necessariamente todos iremos morrer. É uma ideia pré concebida tal como outras que nos incutem. Mas esta faz parte do conjunto das ideias que servem para atenuar algo que não é passível de ser atenuado. Porque sendo inevitável, custa, dói, magoa, fere, mata-nos um pouco. Parte de nós vai com quem partiu. Comigo, avô, foi exactamente assim. Mas ganhei outra coisa: ganhei força, sim, a tua força. Sou hoje alguém mais forte, mais convicto, mais certo do que sou e do que quero ser. Tal como tu. Exactamente como tu. Sou divertido, ganhei de ti esta forma alegre de estar na vida. Sou também triste, tenho umas belas "trovoadas", herdei isso também de ti. Sem a tua presença, é claro que perdi mais coisas: perdi a base da família. O destino não me permitiu conhecer a avó, essa mulher lutadora, forte, pilar da família, que tu amaste à tua maneira. Ela sabia-o e perdoava-te algumas falhas naturais de uma relação. Consigo lembrar-te nos melhores e nos piores momentos. Sei exactamente o que dirias nesta ou naquela situação. Lidavas bem com a vida. Via-te poucas vezes, ultimamente. Mas tinhas orgulho em mim e no que estava a tentar fazer por mim. Admiravas-te da vida que levava na capital, ficavas contente por saberes que todos os dias eu via a Catedral, o estádio do clube que tu não gostavas mas que até suportavas por ser o meu. Ficavas espantado porque eu dominava o mapa do metro e eu tentava explicar-te que no teu tempo era uma coisa bem mais complexa, porque era novidade. Hoje é tudo mais simples. Não compreendias. Talvez quisesses dar-me os louros dessa (suposta) conquista.



Contigo aprendi que a vida é muito mais que dinheiro, é importante estar cá e aproveitar cada segundo. Ligar o rádio e pô-lo em altos berros só para ouvir o teu Marceneiro, a minha Amália, os nossos ranchos folclóricos e até o Roberto Carlos que a mãe adora. Sei que hoje estás aí a olhar para mim. Deves saber que estas datas são estupidamente tristes. Não quero lembrar do que senti quando te vi deitado, gélido, na cama. Não consegui tocar-te. Preferi lembrar as nossas sardinhadas, o jogo da sardinha que tu perdias e dizias que tinha sido eu a levantar as mãos primeiro. Recordo de ti uma imensa coragem. Cegaste e durante mais de uma década viveste desse modo. Aceitando um qualquer desígnio de Deus, da vida, do destino. Herdei também essa força de ti. Sim, essa tua força de aceitares e nunca desistires para, dentro dessa condição, seres feliz. E foste-o. Nunca me esquecerei do teu sorriso. Mas não te vou perdoar teres-te ido assim. Na véspera tínhamos estado a falar ao telemóvel. Eu sabia que tu querias vir cá acima passar o Natal, ouviste-me e reconheceste-me. E sabes, hoje, que naquela altura já eram menos as pessoas que reconhecias, apenas pela voz. A velhice estava a atrapalhar-te. Mas naquele momento sabias que era eu. E disseste que vinhas, avô, tu disseste. E não vieste. Hoje, ainda hoje não te perdoo esta partida. Foste viajar e deixaste-me assim, sem um até já. Mas outra força diz-me que te tenho que perdoar. A tua vida aqui, onde todos estamos a padecer porque esperamos o que nos contam e suplicam para esperar, estava a ser bastante dolorosa. Eu sei, e por isso perdoo-te. 


Lamento que hoje não estejas aqui, mas sei que aí onde estás vais-me sempre guiar. Até ao fim da minha vida. Que pode ser hoje, amanhã ou depois. E sei também que tinhas este lema: vive a tua vida. Eu vivo-a. E tenho noção de que vou deixar pegada, sei que tentei marcar a minha presença. Tal como tu fizeste com a tua própria vida. Não encares isto como um bilhete ou carta de despedida. É uma homenagem, Já a merecias. 

Serás sempre o meu avô, Apesar de todas as nossas falhas, fomos sempre mais fortes do que elas. Por isso é que a nossa ligação consegue fintar e ser mais forte que a tua viagem definitiva. Sei que um dia vamos estar de novo juntos. E aí vais-me explicar porque me deixaste assim, sem te poder dizer um adeus. 

Até lá, fico por cá, a lembrar-te. Adoro-te.

(12.12.2013)

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