domingo, 5 de outubro de 2014

Porque gosto de: Amália Rodrigues (II)


O primeiro texto foi dedicado à mulher mais importante da minha vida. Este segundo texto é dedicado à mulher portuguesa mais importante de todos os tempos. Quis o destino que se chamasse Amália da Piedade Rodrigues, quis o destino que um dia fizesse do destino uma canção. Amália estava destinada a cantar o destino, o fado, a saudade, a angústia, a tristeza. Ela que tanto bebeu desses sentimentos para que o seu perfeito coração continuasse a bater. Mas vamos por partes.

Gostar de Amália é gostar de Portugal. Ponto final. Nem vou entrar pelos prémios que com a nossa bandeira aos ombros foi conquistando. Amália foi a bandeira de Portugal durante anos a fio e negar isso é ser hipócrita, é mentir, é aldrabar a história. Num tempo de um Portugal triste, cinzentão, obscuro, num tempo de um Portugal zangado com os portugueses, era Amália a única a puxar por todos nós com aquela voz que um dia Deus decidiu dar-lhe.


Gostar de Amália é ver nela um exemplo de mulher. Amália tinha a elegância de todas as rainhas e princesas que Portugal conheceu. Era humilde como qualquer elemento de um povo que lavava no rio para tentar afogar as mágoas. Era cultíssima, instruiu-se. Foi artista multifacetada como só três grandes ícones (a contar consigo) conseguiram ser: Callas e Sinatra.  Amália por isso é imortal.


É frase dela: Quando eu morrer façam o favor de chorar por mim. Querida Amália, chorar por si não é um favor, nem somente um pedido. É uma ordem. Este povo tem que chorar por si. Chorar, aqui, é claramente no sentido figurado. Amália até nisto era brilhante. Chorar por Amália é ouvir a Lágrima e sentir naquela voz um desejo incrível de continuar a viver um amor impossível. É ouvir a Gaivota e sentir que cada letra, cada palavra nos revela o lado tão português que todos temos inevitavelmente. É ouvir o Estranha forma de Vida e sentir que ali está Amália na sua plenitude. Por mais anos que passem aquele "Foi por vontade de Deus" nunca será tão intenso como o de Amália Rodrigues. E chorar, chorar com estes fados, sentido neles a Diva. Amália era brilhante mas sobretudo simples. É frase dela também que ser simples é complicado. É esta multiplicidade de sensações que tornam Amália única.


Dizia Amália, que o fado não se canta, acontece. O fado sente-se, não se compreende, nem se explica. Disse também, e agora perdoe-se-me não conseguir citar absolutamente a frase, que tinha ttrês formas de cantar: cantava mal, cantava assim assim e cantava como podia. Nunca se achou a melhor de todos. É esta humildade sincera que fez dela a maior de todos. É só a melhor e vai continuar a sê-lo. Todos sabemos que cantou poetas (os mais importantes), cantou folclore, cantou música popular, cantou poetas revolucionários. Mas Amália não cantou apenas fado. Amália sentiu-o como ninguém porque ela era o Fado. Amália sentia-se só e bebia dessa energia da solidão para continuar a viver. Da solidão e da saudade, do saudosismo puro. Só assim se explica a letra do Lavava no Rio Lavava com o desejo de ter fome só para sentir o que sentia.



É isto, é isto que a torna magnífica. Amália era portuguesa, portuguesa como quem lê este texto, era de Portugal como quem escreveu este texto.  E eu continuarei tal como sempre fui: Amaliano convicto. É que isto de gostar de Amália não se aprende (em minha casa não se ouvia fado, fui eu que por mim comecei a venerar esta canção tão nossa), não se explica (por muito que transponha em palavras), apenas se sente. Por isto e por muito mais, por mais anos que passem:


Obrigado, Maior de todos nós. 
Obrigado, Amália Rodrigues. 

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