terça-feira, 4 de março de 2014

O Zé, o Francisco e a amizade




Sempre me ensinaram que na vida há pessoas boas e pessoas más. Começámos por saber isso logo nos contos infantis. A maldade aparecia-nos ao virar de cada página sob várias formas. E nós vamos crescendo e conhecendo essa mesma maldade na prática e também sob várias formas. Desde logo na falsa amizade. Aquela amizade mesquinha e que por isso jamais merecerá ter esse estatuto. Jamais poderá ser chamada por tal nome que se reveste de uma simbologia mágica que junta o A de amigos e o E de eternidade, como vi recentemente num post trocado nesta rede social - que facilitou (e nalguns casos estragou) amizades. Só estragou as amizades falsas porque tudo o que é verdadeiro, dura. 


Dizem-me que as pessoas têm todas lados um lado lunar, talvez seja por isso que o meu lado lunar seja pouco entendível por alguns. E depois há de tudo: há gente desprendida, há gente interesseira, há gente oportunista, mas depois também há gente gentil, gente solidária, gente fraterna. São as segundas que valem a pena. Só e apenas essas.

Esta história que vos vou contar nada tem de real, portanto um pouco à imagem daqueles filmes e grandes ficções terei que dizer que toda e qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência, ou talvez não.


Era uma vez dois amigos, diferentes em quase tudo, no modo de viver a vida, nos percursos de vida, no estilo de vida, em tudo, quase tudo. E ambos sabiam de vários segredos um do outro, sabiam porque supostamente eram amigos. Ah chamavam-se Zé e Francisco como poderia ser Fernando e Joaquim ou Frederico e Tó. O Zé sempre se mostrou mais franco com o Francisco: era o Zé que combinava saídas e nunca as desmarcava por quase nada a não ser que fosse grave, era o Zé que a maioria das vezes ouvia o Francisco e os seus dramas pessoais, era o Zé que apoiava o Francisco mesmo que o Francisco lhe atirasse à cara que apenas e só ele falava dos seus dramas. Mas o Zé explicava que uma amizade é dar e não receber. E o Francisco continuava a dizer que o Zé não era obrigado a ouvi-lo. O Zé respondia-lhe que ser amigo não é obrigação, é gosto, é estar ali quando dá e até quando não dá. O Francisco optava por um estilo de vida da qual o Zé não participava e que muitas vezes prejudicava as saídas que estavam já combinadas. 


O Zé fartava-se de explicar ao amigo que por muito que fizesse, nada mudaria no Francisco, apenas a vida o poderia mudar. Porque a despreocupação, a ingratidão, a falta de noção que um sentia face ao outro eram evidentes. Porque o Francisco não achava que o Zé vivia a vida da melhor forma. Para ele a vida tinha que ser vivida sem dramas, sem preocupações, passando por cima do que se tinha combinado, ignorando que há outras pessoas no mundo. E revestia-se tanto deste pensamento que achava que não fazia mal a ninguém pensar assim e que apenas o Zé vivia a vida como um santinho e como um ingénuo, um parvo que acreditava na bondade das pessoas. O Francisco dizia que o Zé tornava-se chato de tanto o chamar à atenção acerca das coisas que não gostou. Mas o Francisco lá ia respondendo que fazia tudo pelos amigos e só o Francisco sabia como ficava após as conversas com o Zé: verdadeiramente arrasado e ciente de que o egoísmo que está na massa de que é feita muita gente, estava também no seu amigo, a ingratidão também, e já pra não falar na despreocupação que o outro demonstrava no modo como o tratava. 

Não havia por parte do Francisco qualquer tipo de arrependimento, para ele a vida era só e apenas ele e quem ele escolhia para os momentos que queria. Não importava mais ninguém, o Zé era o amigo chato, o amigo que ele muitas vezes aproveitava para deitar abaixo com frases estúpidas, perguntas tristes, verdadeiros momentos de pura infelicidade. A amizade não morava ali. Quantas vezes o Zé se arrependia de ser tão paciente, de aguentar tanto esta situação. Mas a vontade de acreditar que do outro lado morava alguém que, apesar do desprendimento e da falta de respeito pela amizade, podia valer a pena, permitia-lhe que fosse ajudando o amigo com conselhos e dicas úteis para ser melhor pessoa. Aconselhou-o sobre diversos temas, a tratar os outros como iguais em direitos, mostrou-lhe que a vida é de todos e não apenas de alguns, mostrou que a amizade é o laço mais forte de que a Humanidade dispõe. O Francisco dizia compreender, mas nunca o provava. O Zé dominava o tema e demonstrava-o em qualquer momento, quando os amigos dele precisavam. E alguns amigos na brincadeira, falando a sério, diziam que o Zé é o amigo que todos querem ter na exacta medida em que ele é o pronto socorro da malta toda. O Francisco de vez em quando demonstrava que o "curtia" mas de forma muito inconsequente.

 Até ao dia que o Francisco teve um acidente e todos os amigos, os tais “manos”, não estiveram quando ele mais precisou, só o Zé esteve com ele sentado, dia após dia, com a família do Francisco junto à cama do hospital. Todos os amigos “perfeitos” decidiram fugir, porque pela mesma razão que estiveram com ele no estilo de vida que ele levava, também na doença o demonstraram. E qual era o estilo de vida do Francisco? Curtir a vida, ora ali só havia doença. Era animação, ora ali só havia calmia e um velhote a ressonar de vez em quando na cama ao lado. Era álcool, ali só o etílico. Era música alta e noitadas, ali só o barulho baixinho da televisão e a visita acabava às sete. A história acabou quando, no fim do período de internamento, o Zé disse ao Francisco: “Finalmente percebeste o que é um amigo. Agora segue o teu caminho. A minha missão era esta, mostrar-te que é possível haver a preocupação pelo outro. Que é possível haver respeito pelo outro. A minha missão foi esta. Segue agora a tua vida”. A partir desse momento nunca mais se viram.


Parece básica, bem sei, mas é a história de vida de muita gente que passa os dias de forma desprendida, que quer afastar de si todos os que são diferentes e veem a vida de forma diferente. Querem tornar tudo homogéneo, tudo igual, onde o sentimento, o afecto sejam quimeras nesta passagem que todos atravessamos sem certezas factuais de uma outra vida após esta. Enquanto existirem muitos “Franciscos”, os Zés vão sempre fazer falta, porque enquanto uns falham… outros têm que cumprir. Porque a missão é dura mas reconfortante. Sejam bem-vindos à amizade, à verdadeira amizade.  

Fim de história. 

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