Adopção de crianças por parte de casais homossexuais
Portugal, no dia 17 de Maio deparou-se com o igual acesso ao casamento civil seja qual for a orientação sexual do cidadão. Com efeito, o Presidente da República Aníbal Cavaco Silva promulgou, no referido dia, o diploma aprovado por maioria no Parlamento. Esta decisão presidencial poderá ser discutida e com certeza haverá diversas opiniões, posições, confrontos ou, simplesmente, convicções pessoais. O que é certo é que o diploma está aprovado.
Podendo casar, o próximo passo para os homossexuais será a busca do igual acesso à adopção. A constituição de família está prevista com o casamento civil e podendo ou não um homossexual ter um filho biológico aquele lutará pelo direito a adoptar, é esta a minha convicção. Neste assunto, as opiniões parecem estar a começar a soar. A adopção é, para os heterossexuais, um processo complexo e para finalmente terem o filho nos braços, necessitam de correr muito e lutar significativamente, ter muito estofo e paciência, coragem e capacidade de sofrer, pois o tempo de espera é tanto e a ansiedade é mais que muita. O tempo de “habituação” (chamemos-lhe assim) tanto para os pais em relação à criança adoptada, como para o adoptado face aos pais adoptivos é de seis meses.
O que é facto é que, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os artigos primeiro e sétimo são bastante claros: o primeiro artigo refere que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, dotados de voz e de consciência, devem agir uns com os outros em espírito de fraternidade. O sétimo artigo também não deixa dúvidas: todos são iguais perante a Lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da Lei. Todos têm direito a protecção igual, contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação. O próprio texto constitucional português é bastante perceptível: ninguém deve ser discriminado em função da sua orientação sexual. Neste sentido, se os textos são teorias para serem colocadas em prática, e se foram redigidos para tornar a sociedade global, e a portuguesa em particular mais justas (porque caso contrário não eram aprovados), há que os pôr em prática, assumindo claramente o que estes transportam. Apesar de viverem com uma Constituição contra a discriminação, os portugueses não vêem com bons olhos a possibilidade de um casal gay adoptar uma criança institucionalizada: a 8 de Março de 2004, 54% dos inquiridos de uma sondagem do Público, mostravam-se contra, 29% defendiam a medida. A questão é simples: o clima de hostilidade face a esta “modernidade” nasceu na ideia de que um casal gay educaria o seu filho (porque é disso que se trata) no sentido da mesma orientação sexual. Este argumento é do mais falacioso que pode haver já que, seguindo a mesma ordem de ideias, um casal heterossexual nem sempre “consegue fazer um filho heterossexual”. A origem da homossexualidade não é consensual mas a educação não é um factor essencial para orientar sexualmente a criança.
O presidente da Comissão de Acompanhamento da Lei da Adopção afirmou que é preferível uma criança passar toda uma vida numa instituição “à infelicidade de ser educado por homossexuais”, porque irá interferir na sua sexualidade natural. Trata-se de mais uma afirmação bastante problemática. Ora, se o nosso país se quer aproximar dos países desenvolvidos, é importante focar que o Reino Unido (onde no passado mês de Abril, uma lésbica foi registada como pai de uma criança), a Holanda, a Suécia, a Dinamarca e os estados mais liberais dos Estados Unidos aprovam a adopção por parte dos homossexuais, no sentido de proporcionar a uma criança, uma família mais reduzida, onde lhe seja dada a atenção que merece, o amor que precisa e que os pais biológicos não lhe souberam, não puderam ou não quiseram dar. Estas leis são pelos direitos das crianças só e unicamente. Se muitas das instituições sociais são correctas para com as crianças, dão-lhes de comer, ensinam-lhes as regras básicas, vestem-nas, lavam-nas, ao fim ao cabo educam-nas, também as há que de humano têm muito pouco. Mas reconheçamos da mesma forma que o romantismo não pode imperar sempre, e qualquer pessoa saberá que nestas instituições não há um funcionário, ou freira ou até padre, por cada criança. Isto é um facto. Ser educado por uma família mais reduzida, repito, trará à criança o carinho que ela merece, a educação individual, que será colmatada na escola.
Na manifestação promovida pela organização “Cidadania e Casamento”- a tal plataforma que conseguiu as 90 mil assinaturas no sentido de realizar um referendo ao casamento homossexual - encabeçada por Isilda Pegado foi referido que os gays estão a acabar com a espécie humana. Mas este é outro argumento bastante curioso. Será que a espécie humana será só uma espécie de biliões de pessoas? Será só feita uma contabilização de números, como se cada pessoa não fosse importante e ela própria única? Será que ao promovermos a espécie humana não estamos também a promover o amor entre os humanos, a solidariedade entre eles, o clima de igualdade generalizado, o fim de discriminações sem sentido como esta que trato neste texto? Pois, se defender a espécie humana é só falar em números, então eu não pertenço à espécie humana, muito sinceramente… A grande questão é que não é por se permitir o casamento ou a adopção gay que se cessará a espécie humana e a razão é simples: ninguém é obrigado a casar com um indivíduo do seu sexo e, muito menos, a adoptar uma criança colocando-a numa família homossexual. Argumentar desta forma, é dizer a um gay ou lésbica para se juntar com um indivíduo do sexo oposto, tornando-o (a) infeliz, menosprezando-se, desta forma, o casamento dito “normal”, e não dignificando a adopção, já que não haverá clima familiar onde o amor e sobretudo o respeito imperem.
Mas acho curioso que sejam os que defendem a adopção exclusiva para heterossexuais – e que, portanto, digam que um indivíduo gay não tem competências para criar uma criança – que em muitos casos construam situações de violência, morte e suicídios. Os casos da pequena Maddie, da Joana Cipriano, do Hélio (encontrado morto aos cinco anos por deficiência alimentar prolongada), do Daniel (abusado sexualmente até à morte com cinco anos), de Fátima Letícia (sete semanas violada pelos pais com objectos e espancada na cabeça), demonstram bem que não é pela orientação sexual que se deve vedar o acesso a criar uma criança. Aliás, as Comissões de protecção de menores adiantaram que estes fenómenos de violência são transversais a todas as classes sociais, após terem saído notícias sobre o aumento dos casos de violência contra crianças de famílias ricas. Logo também não é pelo dinheiro que há em casa que se deve dificultar a educação de um filho. Aquilo que verdadeiramente deve ser tido em conta é a educação em si: os valores transmitidos, a não-violência sobre a criança, a capacidade de a alimentar e educar com valores que permitam no amanhã a esta criança ser uma pessoa integralmente bem formada. Não é, em minha opinião, nem o dinheiro, nem muito menos a orientação sexual que devem ser as barreiras colocadas a alguém no sentido de criar um filho.
Não sei se as pessoas que estão contra a adopção por parte de homossexuais saberão que em Portugal é possível um gay ou uma lésbica adoptarem uma criança. É verdade. A questão é se poderão ter um companheiro para ajudar a criá-la ou não. Tudo, porque quando heteros ou gays tentam adoptar, não lhes é perguntada a orientação sexual. É de facto curioso que a grande questão seja só a presença de mais uma pessoa na família… Na minha visão das coisas, a adopção é um momento que vale uma vida inteira; é o vínculo que, semelhante à filiação natural, mas independentemente dos laços de sangue, se estabelece legalmente entre duas pessoas. Se a lei permite que uma pessoa individualmente, homem ou mulher pode adoptar sozinha uma criança, desde que possua certos requisitos (empregado, a receber prestações sociais, condições de vida para criar uma criança, condições não só económicas mas também psicológicas e culturais), por que razão duas pessoas, com esses mesmos requisitos, podendo proporcionar uma boa qualidade de vida, uma elevada educação/formação inculcando valores positivos, fazer de uma criança um Homem não conseguem adoptar?…
Se isto for cumprido, porque lhes é negada a adopção? No meu ponto de vista, a adopção por parte de casais homossexuais poderá ser a solução para o fim da triste lista negra de crianças que ninguém quer: pela cor, sexo, idade, por ser deficiente, etc, etc, etc… Os dados são muito simples: há 554 crianças que ninguém quer adoptar. E se a adopção se mantiver exclusiva para a orientação heterossexual, então, nesse caso, nada mudará. O alargamento deste processo aos homossexuais poderá trazer mais felicidade aos filhos, que muitos dos que defendem a família tradicional, simplesmente, ignoraram.
A vida está em risco para estas crianças, e não é pelo facto de poderem vir a ser criadas por homossexuais… é mesmo por não terem direito ao carinho que elas merecem e que não lhes é dado nas instituições onde o funcionário ou os poucos funcionários lhes dão um beijo de boa noite e lhes fazem uma festa na cara e já pensam que o carinho está dado. E esta é a realidade, são factos. Por mais que eu aceite a importância vital das instituições, não menosprezo (no mesmo sentido) a importância de um amor privado, de um carinho só para aquela criança.
E nós temos mesmo que entender isto, para bem da criança e pelo fim do preconceito, do estigma, da desigualdade e da injustiça mais do que “anti natural”. Porque a Natureza não consiste só na reprodução: é que, lá diz o povo: parir é dor, criar é amor… E, como dizia Fernando Pessoa: “o melhor do Mundo são as crianças”. E criá-las, amá-las, deve ser o maior e mais nobre acto que alguém novo ou velho, homem ou mulher, alto ou baixo, gordo ou magro, heterossexual ou homossexual, pode experienciar…