terça-feira, 7 de outubro de 2014

Sobre praxes e afins: escondam-se, sff

Viseu, todos nos orgulhamos é a melhor cidade para viver. Como decorreu a eleição, não sei, há quem diga que pouco interessa, há quem releve muito. Eu estou no meio. Não dou tanta importância quanto isso mas puxo disto quando me estão a deitar para baixo por ter sotaque beirão. 

Ora Viseu que é belíssima pelos enormes, verdes e floridos jardins tem, nesta altura do ano, que conviver com uns destrói paisagens que andam, caminham, emanam barulho, algum deste barulho cheio de grosserias a lembrar outros tempos, enfim, perturbam esta beleza que nos colocou no top das mais belas cidades para viver. 


Chamam-lhe praxistas e praxados. Eu diria que é gente que dá pouco uso ao cérebro. Sobre praxes já disse muito, se calhar mais do que devia, já batalhei muito contra estes episódios, por vezes mais do que a razão permitiria, já me mostrei acerrimamente contra. E continuarei a sê-lo. 


Mas como gosto de dar soluções, cá vai uma. Isto das praxes, para além de um atentado à dignidade humana para com os praxados, é uma violação do espaço público para todos os que têm que levar com isto. É que as praxes não se ficam pelas universidades: pois, elas próprias (finalmente!) começaram a perceber que nada disto é útil, nada disto é razoável, nada disto eleva o espírito universitário e muito menos brota dali um fruto iluminista de um pensamento próprio que devia fazer jus ao ensino superior. Nada disto ali está. E então, não se contentando em humilhar gente junto e dentro das faculdades, a malta sai e passeia-se. 

O cenário vi-o mesmo agora: malta com bata preta a ordenar coisas a um conjunto de outros seres humanos (quer dizer, os primeiros não pertencem na maior parte dos casos a esse lote tão nobre, enquanto praticam estas porcarias, para não usar a palavra do Luís Pedro Nunes e gerar polémica, mais polémica), que baixam a cabeça, submetem-se, não esboçam um sorriso, ficam por ali a tentar olhar para o chão, encontrando nele a solução para que o tempo passe mais rápido. É que lhes impingiram na maior parte dos casos que esta tradição faz sentido, esta tradição merece continuar, esta tradição enobrece a malta. E numa coisa a praxe cultiva os caloiros: é que eles apreendem claramente o traçado da calçada portuguesa. Palmas à praxe e a quem praxa. Removo já aqui, o que disse (esbofeteio-me nesta altura..): que a praxe não é cultura. Nada disso. Uma tradição que coloca caloiros a vislumbrar, apreciar, quiçá idealizar novos traçados para a calçada portuguesa merece efectivamente continuar. 


No entanto eu não preciso de saber que a calçada portuguesa está a ser valorizada. É que por sinal eu nem gosto muito da dita pedra organizada. Então fica aqui uma sugestão: em primeiro lugar falem mais baixo e adaptem os termos que mandam os caloiros gritar. Sim, mandam e sim, eles gritam. Podem sempre tornar menos grotesco o vocabulário, ajudava. Pronto já ficava melhor. Mas bom bom era taparem-se tipo como no circo: agarravam num pano (e podiam escolher a cor e tudo!!) "embrulhavam" o caloiro, seguravam o pano em cima para ficar bem escondido e o dito caloiro ficava lá dentro com um praxista e lá lhe dizia tudo o que queria e ele teria que repetir tudo (tudo como já é feito). Vêem... afinal eu sou sensível à tradição!! Tanta gente a dizer mal de mim. E o resultado final era exactamente como no circo: depois de abanado o pano, no fim de tudo surgiam não um amestrado e um "mestre" mas dois mestres prontos a amestrar outro coitado. 

Fica combinado? 
Façam-nos um favor da próxima: escondam-se!


domingo, 5 de outubro de 2014

Porque gosto de: Amália Rodrigues (II)


O primeiro texto foi dedicado à mulher mais importante da minha vida. Este segundo texto é dedicado à mulher portuguesa mais importante de todos os tempos. Quis o destino que se chamasse Amália da Piedade Rodrigues, quis o destino que um dia fizesse do destino uma canção. Amália estava destinada a cantar o destino, o fado, a saudade, a angústia, a tristeza. Ela que tanto bebeu desses sentimentos para que o seu perfeito coração continuasse a bater. Mas vamos por partes.

Gostar de Amália é gostar de Portugal. Ponto final. Nem vou entrar pelos prémios que com a nossa bandeira aos ombros foi conquistando. Amália foi a bandeira de Portugal durante anos a fio e negar isso é ser hipócrita, é mentir, é aldrabar a história. Num tempo de um Portugal triste, cinzentão, obscuro, num tempo de um Portugal zangado com os portugueses, era Amália a única a puxar por todos nós com aquela voz que um dia Deus decidiu dar-lhe.


Gostar de Amália é ver nela um exemplo de mulher. Amália tinha a elegância de todas as rainhas e princesas que Portugal conheceu. Era humilde como qualquer elemento de um povo que lavava no rio para tentar afogar as mágoas. Era cultíssima, instruiu-se. Foi artista multifacetada como só três grandes ícones (a contar consigo) conseguiram ser: Callas e Sinatra.  Amália por isso é imortal.


É frase dela: Quando eu morrer façam o favor de chorar por mim. Querida Amália, chorar por si não é um favor, nem somente um pedido. É uma ordem. Este povo tem que chorar por si. Chorar, aqui, é claramente no sentido figurado. Amália até nisto era brilhante. Chorar por Amália é ouvir a Lágrima e sentir naquela voz um desejo incrível de continuar a viver um amor impossível. É ouvir a Gaivota e sentir que cada letra, cada palavra nos revela o lado tão português que todos temos inevitavelmente. É ouvir o Estranha forma de Vida e sentir que ali está Amália na sua plenitude. Por mais anos que passem aquele "Foi por vontade de Deus" nunca será tão intenso como o de Amália Rodrigues. E chorar, chorar com estes fados, sentido neles a Diva. Amália era brilhante mas sobretudo simples. É frase dela também que ser simples é complicado. É esta multiplicidade de sensações que tornam Amália única.


Dizia Amália, que o fado não se canta, acontece. O fado sente-se, não se compreende, nem se explica. Disse também, e agora perdoe-se-me não conseguir citar absolutamente a frase, que tinha ttrês formas de cantar: cantava mal, cantava assim assim e cantava como podia. Nunca se achou a melhor de todos. É esta humildade sincera que fez dela a maior de todos. É só a melhor e vai continuar a sê-lo. Todos sabemos que cantou poetas (os mais importantes), cantou folclore, cantou música popular, cantou poetas revolucionários. Mas Amália não cantou apenas fado. Amália sentiu-o como ninguém porque ela era o Fado. Amália sentia-se só e bebia dessa energia da solidão para continuar a viver. Da solidão e da saudade, do saudosismo puro. Só assim se explica a letra do Lavava no Rio Lavava com o desejo de ter fome só para sentir o que sentia.



É isto, é isto que a torna magnífica. Amália era portuguesa, portuguesa como quem lê este texto, era de Portugal como quem escreveu este texto.  E eu continuarei tal como sempre fui: Amaliano convicto. É que isto de gostar de Amália não se aprende (em minha casa não se ouvia fado, fui eu que por mim comecei a venerar esta canção tão nossa), não se explica (por muito que transponha em palavras), apenas se sente. Por isto e por muito mais, por mais anos que passem:


Obrigado, Maior de todos nós. 
Obrigado, Amália Rodrigues.