quinta-feira, 26 de junho de 2014

Falta cumprir-se Portugal


 Fui até ao Rossio, acreditei, juro que acreditei.

Confesso que caíram lágrimas no pós 2º golo dos EUA. Não quero acreditar no que nos aconteceu. Tanta gente, um país a clamar por vocês, a garra de uma nação inteira, um país mergulhado na crise, na merda da crise, e vocês eram a nossa estrelinha. Eram o ponto de esperança. Só vocês nos poderiam ter feito brilhar. Só vocês. E sabiam-no. Tinham essa consciência. Mas envergonharam um país já prostrado, caído, derrotado, vilipendiado, humilhado. Vocês eram a única força que tínhamos ainda. Eram o que nos restava. E um país inteiro acreditou em vocês. 


Vi crianças a gritar pelo Ronaldo, a inocência deles quando o melhor do mundo tocava na bola era arrepiante. Arrepiava todos os que estávamos a vê-las naquele mundo encantado. Eles viveram uma história feliz, fizeram-lhes acreditar que era possível. Mas vocês não quiseram que a história continuasse. Humilharam-nos mais do que já estávamos, deram-nos a maior derrota possível: a de não lutar. Foi triste, triste, triste. Milhões de gargantas a gritarem por vocês, mãos magoadas de tantas palmas batidas, mulheres, crianças, mais velhos, vi famílias inteiras sentadas no chão, a acreditar, de cachecol em punho. Só vos peço uma coisa: saiam de cabeça erguida disto. Não nos humilhem mais. Estes "putos à solta" não podem ver mais uma vergonhosa exibição. 


Foi terrível. Shame on you. Ronaldo... ó Ronaldo e o Rei, Ronaldo? E o Rei? Onde fica o Rei Eusébio nesta história? Será que ele não merecia mais? Que falta de entrega, que falta de raça, faltou tudo, Ronaldo. Porquê, capitão? Porque razão nos ofereceram mais esta triste facada no nosso orgulhoso patriotismo. Hoje, sou tão português como ontem e como serei amanhã. Há quem não saiba ainda bem o que é envergar as quinas que Eusébio, Coluna e tantos, tantos outros vestiram e honraram. Portugal continua. Triste, envergonhado, entristecido, achincalhado, vergado. 



Mas vamos continuar. Afinal, há Camões, há Pessoa, há Saramago, há Amália, há Marceneiro, há Dulce Pontes, há Carlos do Carmo, há Paião, há Zeca, há tantos, tantos que me fazem ter orgulho de ser tão português quanto eles. Levantem a cabeça, por favor. E viva Portugal, sempre. SEMPRE!

O Império
(...)
Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez. 
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

(Fernando Pessoa, A Mensagem)

sexta-feira, 13 de junho de 2014

13 de Junho, o dia dos génios: Variações, um artista irreverente num país apático

António Joaquim Rodrigues Ribeiro. Este nome não ajuda a identificar facilmente de que génio se trata. Mas ele foi e é, ainda é, um dos nossos maiores nomes, um nome enorme da cultura portuguesa. E quis o destino que, em Lisboa, no dia mais feliz daquela cidade, se despedisse de vez do mundo dos mortais, ele que ganhou o estatuto de imortal. Para a música ficou conhecido como António Variações mas quem gosta de se referir a ele rapidamente atira com um simples Variações e toda a gente sabe quem é. Tal como o Zeca ou o Paião. Há pessoas que por serem tão grandes basta referirmo-nos a elas através de um dos nomes. Acontece o mesmo com Amália, a Piaf, o Sinatra. Variações conquistou o seu espaço pela irreverência. Um cabeleireiro com uma voz invulgarmente fantástica, compôs e deu voz às suas letras e arranjos. Barbeiro, aliás, ele detestava ser chamado de cabeleireiro. E aos génios faz-se a vontade, barbeiro, Sr. Variações. E deste génio conhecemos músicas como a Canção do Engate, Estou Além, É p’ra Amanhã, Maria Albertina e tantas tantas outras. Foi da mente genial de António Variações que saiu uma das mais belas canções que se pode dedicar a uma mãe, no caso à sua, Deolinda de Jesus. 


Variações, dizem todos os que o conheceram de mais de perto, arrastava filas só para o ver a trabalhar na sua outra vida, entre barbas e cabelos. A sua morte ainda hoje está envolvida num enorme mistério. Aponta-se como causa da morte uma complicação respiratória causada pelo vírus que na altura se atribuía a todos os que tinham comportamentos sexuais “desviantes”. A causa de morte e a sexualidade de alguém é irrelevante neste e noutros casos. É que a marca, a tal pegada que cada um de nós deveria tentar deixar enquanto o coração insistir em bater, deve ser o foco. Infelizmente não é e muitos preferem agarrar nestes aspectos e fazer deles o ponto mais importante no percurso deste artista. Mas ele conseguiu sempre lidar de bem com a vida: fugiu a preconceitos, a ideias feitas e também por isso é um génio. Um génio bem avançado, demasiado avançado e extraordinário para aquele Portugal e para aquela sociedade ainda a caminhar para a modernidade. 


É um dos mais controversos e por isso mesmo um dos mais extraordinários artistas portugueses. Ele foi cantor, compositor e o que a vida o deixou ser em 39 anos de vida. E foi a luz num Portugal retrógrado dos anos 60 e 70. A imagem de Variações prova-o, com um estilo irreverente, anos-luz à frente do que a maioria dos portugueses levava muito por força de uma época cinzenta e opressora. E mostrou que, quando há vontade, cada um de nós pode ser autêntico. Ele foi-o e ainda hoje o lembramos por isso. Na música e na vida que terminou a 13 de Junho de 1944. 


sábado, 7 de junho de 2014

Quando o casting é apenas um pormenor






Na vida mais do que conseguir, é preciso tentar. Não há melhor frase do que esta para descrever o que se passou a noite passada e ao longo deste dia na Rua Conceição Fernandes em Vila Nova de Gaia. Só quem esteve naquele sítio é que entende o poder desta frase. Não consigo exprimir por palavras (pelo menos com as melhores palavras) o que vivi junto à RTP. Digo junto porque o que se passou dentro dos estúdios da estação pública é uma ínfima parte da aventura. É aliás a parte menos importante. 


Mais importante foi ter saído de Viseu, ter deixado a minha zona de conforto, para viajar até Gaia. Uma mochila a pesar uns belos quilos, um chapéu-de-chuva, um casaco vermelho (indo para o Porto, foi ainda mais marcante!) e uma cabeça a tentar acreditar que podia correr bem. Mas o que mais eu tentava acreditar que mais do que o casting, passar a noite ao relento tinha que correr minimamente bem.
Fui o primeiro a chegar à RTP mas como o sono já pesava e ainda eram dez e meia da noite, fui tomar um café e sem pressas andei por ali a conhecer o bairro. Mais tarde vi que estavam já pessoas na fila mas não me importei porque ser o primeiro ainda me ia deixar mais nervoso. O melhor estava para chegar e veio de vários pontos do país. Começou por vir de Guimarães, dois jovens – depois mais tarde percebi que apenas um ia fazer casting – chegam e ficou mais fácil de enfrentar a espera, faltavam oito horas para o casting começar. Entretanto enquanto arranjávamos a melhor posição para não doer as costas nas grades chega outra jovem, esta de São Pedro do Sul e mais tarde uma outra de Oliveira de Azeméis. 


E eu, que pensava que ali ia passar a noite junto de muita gente mas na prática sozinho, acabei por participar numa animada mas longa noite de espera. Falámos do que ali estávamos a fazer, do que gostávamos de fazer, de programas de televisão, arrasámos apresentadores, elogiámos outros, falámos da Fanny e dos seus méritos e defeitos (esta devia ter sido a melhor parte!), chegámos à conclusão de que mais valia ir para um reality-show e não ficar aquelas horas à espera ao vento, a algum frio e a pouca chuva. Pelo meio alguém me perguntava as horas de dez em dez minutos e houve duas frases da noite que repeti até me cansar: “Isto é um crime estar aqui este tempo todo à espera!” e “Se o senhor do café estivesse aberto tinha feito hoje rios de dinheiro..”. E que bons que eram os croissants do café...! 

A noite foi passando com risos e piadas e as pessoas foram chegando. Mas só lá para as cinco da manhã é que se começou a ver a fila a aumentar mesmo. Entretanto começa o frio a apertar, chove, tiram-se as mantas do chão, abre-se o chapéu e torna-se a pôr tudo como estava porque só caíram uns bons pingos de chuva. 


Por volta das nove da manhã começaram a chamar-nos e estava escrito que o grupo dos 4 tinha que estar junto à porta da entrada dos castings e por lá ainda tiramos uma foto. Aquela porta teimava em não abrir, os nervos que resultavam da vontade de tentar ignorar que não dormimos nada e que estivemos ali horas e horas ao frio para em quatro ou cinco minutos mostrarmos tudo o que valemos. 

No fim, à saída lá estavam os nervos à porta e a incapacidade que demonstrei em dizer como correu. Não sabia, não queria saber. Apetece-me lembrar a noite passada junto ao portão da RTP. Até parece mentira que conheci pessoas brutais, vivi momentos que vou levar na minha memória, arrisquei muito, perdi pouco, ganhei bastante e consegui o que queria: sair de casa à procura de tentar. Por isso valeu a pena!