Portugal é um país de fenómenos. E sabemos bem que quando
alguma notícia sai essa notícia atravessa a zona do Entroncamento e de uma
breve passa muitas vezes a reportagens com um sem fim de considerandos.
A história de Manuel Palito é basicamente a história de um criminoso que decide de rajada atirar sobre quatro mulheres. Quatro. Ah valente, não bastou uma, não se contentou com a segunda, seguiu para a terceira e não totalmente feliz ainda disparou sobre uma quarta mulher. De facto este homem é um herói. É valente, pá. É a imagem de um país machista, de um país sem valores, onde a violência doméstica é ainda hoje qualquer coisa que convém esquecer que existe. Talvez por isso haja agora um eurodeputado português que defendeu que a violência doméstica deixasse de ser crime público porque diz ele que há um certo fundamentalismo nisto tudo. Claro, claro que há, amigo Marinho. E o fundamentalismo é haver gente que gosta de malta que abate mulheres. E as pessoas divertem-se com aquilo, vão bater palmas junto ao tribunal não percebendo que aplaudiam um criminoso.
Um país inteiro simpatizou com Palito. Não sei se pela cara,
se pelo aspecto rústico e simpático, se por ser simplesmente um homem que, qual
macho, agarra na sua condição masculina e pimba atira sobre quatro mulheres uma
das quais a filha. O maior sintoma de que isto não anda bem é que o povo vai
buscar a um criminoso alguma piada para animar as conversas do dia-a-dia. Uma
espécie de, “Então, aquele gajo, hein? Atirou sobre quatro mulheres mas pá, é
um valentão, fugiu à polícia. Que valente, pá, que herói”. E o mais engraçado é
que ninguém sabe o nome das suas quatro vítimas, duas delas já mortas. Sim,
este homem que toda a gente aplaudiu matou duas pessoas e atirou sobre a filha.
É aqui exactamente que está o problema. O protagonista da notícia é quem mata e não quem morreu às suas mãos. E num país a precisar de heróis num ápice alguém que foge durante um mês à policia passa a ser um herói sobrevivente. É um herói, de facto. É um herói dos que não valorizam a mulher. É um herói dos que não valorizam a vida humana. É um herói de quem leva a vida de uma forma leviana e totalmente desprendida dos valores mais nobres. Um herói, meus amigos, é alguém que deixa mensagem. Um herói é alguém que deixa pegada, que muda o mundo, que torna este pedacinho de terra melhor do que como quando o encontrou. E se quiserem encontrar heróis percorram as ruas deste país.
Heroína é a senhora que todos os dias sai para o trabalho e que sabe que por baixo de sua casa está um sem-abrigo e lhe leva comida e que no Inverno lhe dá mantas e roupa quente. Herói é o bombeiro que morre a apagar um fogo que outro, para muitos um herói, decidiu provocar. Heroína é a senhora que todos os dias sai de casa e vai fazer voluntariado. Na nossa vida conhecemos outros exemplos. Heróis são estes. Depois sobram os comuns mortais.
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