Estou sentado no Rossio e vejo nos bancos da paragem de autocarro uma pessoa completamente desamparada, só, completamente isolada. Era uma velhinha, na casa dos 70 talvez. Tento sentar-me ao seu lado, recebe-me com o melhor bom dia que podia dar. Notava-se nos seus olhos que precisava de ver alguém, precisava de falar, sorrir (já não o devia fazer há algum tempo. As linhas que escrevo (agora passadas para aqui) estão a tentar ser caçadas por um homem que entretanto chegou e está exactamente ao meu lado no banco. Ele carrancudo, amargurado com a vida, sujo, a precisar de que alguém olhasse para si, como se tivesse criado aquela capa de homem temível para se proteger. Estou, portanto, ladeado por duas pessoas completamente diferentes: a senhora estava triste mas ao sentir alguém alegrou-se, falou, riu, distraiu-se; o senhor ficou na mesma, como se já não conseguisse largar a máscara que construiu - talvez porque nunca ninguém o ajudasse a tirá-la. A D. Luísa, exacto a velhinha, continuava a falar de uma vida passada, de como era feliz a cantar nas belgas (as hortas, vá), de como o seu pai fora tropa, e na heroína mãe que tivera. E o homem olhava para o chão.
Continuava a senhora a contar que tem 5 netos e um já lhe deu um bisneto. E o homem não tirava os olhos do chão, como se buscasse naquela calçada a solução dos seus problemas. A D Luísa tem uma alegria na voz incrível, completamente dada a quem a quisesse escutar. Penso em como serei daqui a uns anos. Neste tempo de tecnologias "facilitistas", julgo-me mais infeliz que o dito senhora da paragem de autocarro e claro a anos luz de ter a alegria da D. Luísa. Claro está que penso que o Homem é capaz de muito mas o estado de espírito é uma coisa muito nossa. Lembro-me, enquanto vou respondendo (ou tentando responder, já que a D. Luísa domina a conversa) de como estão a ser os meus dias de há uns tempos para cá. Dizem muitos que um livro não nos deixa estar sós. É treta. Imaginar não é estar. Ler diálogos não é falar. Ler pensamentos não é pensar. Ler descrições não é ver, ouvir, tocar, sentir. Para quem se sente só nada basta, tudo é pouco, o muito é insuficiente.
O estado de solidão faz parte daquele conjunto de estados de alma que começa sem darmos conta da sua presença. Pensamos que a TV nos dá companhia, ligamos a rádio ouvimos aquele artista, aquela música, aquela batida é tudo nos parece mágico. Mas no fim do dia retiramos muito pouco. Dizem os experts que o Facebook nos aproxima. Penso diferente: o Facebook só permite uma aproximação ilusória na melhor das hipóteses. Porque na pior apenas nos distancia das verdadeiras relações, daquelas que fazem e dão sentido à vida. Habitua-me a teclar, comentar fotos com linhas completamente estapafúrdias só para não sentir que estou isolado, "lik' amos" aquilo de que nem sequer gostamos. Tudo para quê? Para nos sentirmos. Para sentirmos dinâmica, só para conseguirmos estar um bocadinho em rede, numa ilsão de que essa rede é "humana". Sentirmo-nos sós é mau. É muito mau.
Ora aí está o autocarro. Arrumo tudo e sigo. Até um dia destes, amiga Luísa. Fiz uma amiga hoje: e bem real.