quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A solidão não mata mas mói...


Estou sentado no Rossio e vejo nos bancos da paragem de autocarro uma pessoa completamente desamparada, só, completamente isolada. Era uma velhinha, na casa dos 70 talvez. Tento sentar-me ao seu lado, recebe-me com o melhor bom dia que podia dar. Notava-se nos seus olhos que precisava de ver alguém, precisava de falar, sorrir (já não o devia fazer há algum tempo. As linhas que escrevo (agora passadas para aqui) estão a tentar ser caçadas por um homem que entretanto chegou e está exactamente ao meu lado no banco. Ele carrancudo, amargurado com a vida, sujo, a precisar de que alguém olhasse para si, como se tivesse criado aquela capa de homem temível para se proteger. Estou, portanto, ladeado por duas pessoas completamente diferentes: a senhora estava triste mas ao sentir alguém alegrou-se, falou, riu, distraiu-se; o senhor ficou na mesma, como se já não conseguisse largar a máscara que construiu - talvez porque nunca ninguém o ajudasse a tirá-la. A D. Luísa, exacto a velhinha, continuava a falar de uma vida passada, de como era feliz a cantar nas belgas (as hortas, vá), de como o seu pai fora tropa, e na heroína mãe que tivera. E o homem olhava para o chão. 
Continuava a senhora a contar que tem 5 netos e um já lhe deu um bisneto. E o homem não tirava os olhos do chão, como se buscasse naquela calçada a solução dos seus problemas. A D Luísa tem uma alegria na voz incrível, completamente dada a quem a quisesse escutar. Penso em como serei daqui a uns anos. Neste tempo de tecnologias "facilitistas", julgo-me mais infeliz que o dito senhora da paragem de autocarro e claro a anos luz de ter a alegria da D. Luísa. Claro está que penso que o Homem é capaz de muito mas o estado de espírito é uma coisa muito nossa. Lembro-me, enquanto vou respondendo (ou tentando responder, já que a D. Luísa domina a conversa) de como estão a ser os meus dias de há uns tempos para cá. Dizem muitos que um livro não nos deixa estar sós. É treta. Imaginar não é estar. Ler diálogos não é falar. Ler pensamentos não é pensar. Ler descrições não é ver, ouvir, tocar, sentir. Para quem se sente só nada basta, tudo é pouco, o muito é insuficiente.

O estado de solidão faz parte daquele conjunto de estados de alma que começa sem darmos conta da sua presença. Pensamos que a TV nos dá companhia, ligamos a rádio ouvimos aquele artista, aquela música, aquela batida é tudo nos parece mágico. Mas no fim do dia retiramos muito pouco. Dizem os experts que o Facebook nos aproxima. Penso diferente: o Facebook só permite uma aproximação ilusória na melhor das hipóteses. Porque na pior apenas nos distancia das verdadeiras relações, daquelas que fazem e dão sentido à vida. Habitua-me a teclar, comentar fotos com linhas completamente estapafúrdias só para não sentir que estou isolado, "lik' amos" aquilo de que nem sequer gostamos. Tudo para quê? Para nos sentirmos. Para sentirmos dinâmica, só para conseguirmos estar um bocadinho em rede, numa ilsão de que essa rede é "humana". Sentirmo-nos sós é mau. É muito mau.

Ora aí está o autocarro. Arrumo tudo e sigo. Até um dia destes, amiga Luísa. Fiz uma amiga hoje: e bem real.  

Quando o gozo ultrapassa tudo (caso Anne Germain)


Só tomei conhecimento da notícia esta tarde mas ao que parece ela já andava espalhada por tudo quanto é blogue e site mais "light". Anne Germain, a senhora que alegadamente falava com os mortos viu o seu dom ser descoberto. Refiro-me ao dom de mentir, aldrabar, gozar, troçar, e sobretudo, humilhar todos quantos acreditam no verdadeiro dom (há quem não veja nenhum dom naquilo) de falar e sentir quem já morreu. O que esta senhora fez mais não foi do que ridicularizar uma "ciência" dotada de muito pouca - ou nenhuma objectividade: falar com mortos. 

Confesso que, à partida - sem saber que era aldrabice - não renego a priori que possa haver quem consiga ter esta capacidade. Mas não faço, por outro lado, parte daqueles que se fiam cegamente naquilo e vivem de acordo com aquelas indicações, quase que seguindo à risca indicações e conselhos dos entes. Consigo no entanto acreditar na boa vontade dos que gastam balúrdios para tentar ouvir (que é outra "arte") ou até para tentarem perceber como morreu a filha, se foi em paz, se morreu com dor, se teve morreu com algum tipo de angústia... Consigo entender. Consigo acreditar que há pessoas que tentam desatar um nó da sua vida nas mãos destas pessoas. E sonham, esperam, tentam ver luz onde mais ninguém vê. 

O que não entendo é toda esta capacidade de: primeiro não se ter arte/engenho/capacidade (lata, para os não crentes nestas coisas do sobrenatural) e fazer-se passar por alguém especial - porque era este estatuto que a senhora ostentava - e fazer de conta que consegue saber (sem ninguém lhe fornecer qualquer tipo de indicação, vá-se lá saber como...) informações íntimas de pessoas que a procuram. 

Neste caso desculpem mas não há anjinhos: houve muita gente a ganhar dinheiro à conta desta charlatanice. O programa tinha audiências, a dita senhora ganhou e ganhou bem, a TVI lucrou com o concurso... Alguém tem que tirar responsabilidades desta vergonha. E mais: quando se trata deste tipo de programas no mínimo polémicos (mentirosos num plano último) há que ter noção daquilo que se faz, de como se faz e da forma como tornar o programa sério e digno. 

Termino como comecei. Anne Germain, mentiu, aldrabou, gozou, fez troça de todos os que acreditaram. Humilhou-os. Não vamos agora responsabilizar a parte fraca: os espectadores. Lembro-me da cara tranquila da dita senhora a dizer aquilo. Sabe-se agora que era tudo trasmitido através de um auricular. E espero que a TVI - enquanto canal que se diz sério - faça uma verdadeira tournée de explicações. Tantas quantos os quilómetros e já agora os euros ganhos com esta charlatanice. E eu como fico: crente em Deus como sempre e acima de tudo como fonte de tudo o que é bom. De energias positivas.

Que fim de dia mais fantástico!

11-12-2011, não não é capicua, não é data de números hiper fantasticamente ligados e que antecipam algo muito prodigioso. Não é nada disso. É só e apenas: uma data muito especial para mim. Voltei a falar com uma das professoras que me fizeram ser o que sou hoje. Não é uma professora: é a professora. Tudo aquilo que exprimo hoje, a forma de dizer, a forma de escrever o devo à minha professora Maria Pires B. Rebelo. Sim, professora é a si que lhe devo o facto de me corrigir as vírgulas e  a forma apressada e revoltada como escrevia ou inversamente a imensa imaginação utópica própria da idade. Se escrevo assim é a si que lhe devo. Não digo que escrevo bem. Nunca o disse. Nem acho. Mas se escrevo pouco, quando me deu aulas, não tinha esta capacidade de pôr as palavras naquele sítio e não no outro. Aprendi consigo a dar valor às palavras. Cada palavra é um discurso. Cada vírgula é um aspecto crucial num texto. Aprendi a valorizar tudo na língua portuguesa. Mas não aprendi só a escrever consigo. Aprendi a ser melhor pessoa.


 Amigos do facebook, imaginem-me com 10 anos (sim, bastante mais reguila, chato, mas tãaaaaaao chato), assim era eu. Foi a professora Maria, a minha querida mãe e mais uma meia dúzia de pessoas que me ajudaram a ser quem sou hoje: um pouco mais equilibrado (totalmente equilibrado não sou nem quero ser), a moderar a rebeldia, e a ser melhor pessoa, a valorizar os outros de outra forma, a acreditar mais em mim, a não achar que sou o maior da "trupe", hoje sou melhor. E se não melhorei, então nesse caso como diz o outro: "Não é defeito, é feitio". A professora Maria ajudou-me a crescer. E devo-lhe muito. Até a gostar de ler. Toda a gente ficava muito admirada da minha forma de escrever... eu não gostava nada de ler. Aprendi a gostar. Neste caminho que percorro devo muito à professora Maria. E aqui publicamente lhe presto a minha homenagem. E porque a palavra "Obrigado" já diz tanto, digo-lhe um simples mas sinceríssimo: Obrigado! :)

O puto que tinha a mania de relatar jogos de futebol


Ontem enquanto via António Oliveira num programa de debate desportivo, lembrei-me dos tempos em que, com um gravador na mão, um rapazito entrevistava (ou fingia que fazia mais ou menos isso) amigos e funcionários da escola amarela. De tal forma que desliguei a televisão e fui-me sentar em frente ao rádio. Agarrei no saco onde tenho essas cassetes (que guardo preciosamente) e pus a tocar aquela em que comentávamos o Mundial 2002. Aquele em que, desgraçadamente, fomos derrotados pela Coreia do Sul, treinados pelo "Oliveirinha". Dizia a D. Fátima - senhora que ainda hoje recordo com um sorriso - que o João Pinto bateu no árbitro e que "já na altura, quando andei com ele na escola ele nos pregava rasteiras". Uma brincadeira, claro. A conversa prosseguiu e até Luís Figo foi criticado por jogar para a publicidade e menos para ajudar a selecção portuguesa. Simulava um estúdio onde quem entrava tinha que ter a opinião bem afiada, daquelas opiniões que ninguém tem. Era, no fundo, mais atenção que aquele puto queria. Mas ele queria mais: queria pessoas que quisessem dizer algo, mas dizer algo não bastava. Era necessária garra no discurso. Aquele discurso marcante, aguerrido, humorístico, quase irreal. A Dona Fátima tinha-o. Era uma comédia. Interrompia o que os outros estavam a dizer e terminava sempre as intervenções com um "quando quiser torne-me a entrevistar. ponha-se à vontade comigo que eu estou à vontade consigo". Ora era isso que o puto queria. Alguém pronto a dizer alguma coisa. 

De tarde, na aula de Moral, esse puto achava que relatava futebol. O professor Alberto dava-lhe o gravador, uma cassete virgem e aí estava o puto sentado na bancada do campo de futebol pronto a iniciar o relato. Relatava com uma tal garra que parecia que o Mundo ia terminar. A voz falhava. Podia notar-se rouquidão. Mas a vontade do puto em continuar estava sempre no máximo. O miúdo chamava alguns amigos para o ajudarem na missão. Mas a sua mania de querer relatar sozinho fazia-o dominar a emissão. Qual emissão, qual quê? Aquela simples manifestação de um desejo de comunicar, isso sim. Mas na altura o puto achava aquilo o máximo. De tal forma que as sextas-feiras se transformaram em dias de relatos de futebol. Mas claro, um relato não chegava. Então o puto saía a correr das salas para nos intervalos antecipar aquilo que iria acontecer no jogo do fim da tarde entre a turma X e a turma Y. Deverão imaginar que uma cassete por vezes era pouco. Percorria a escola toda para encontrar a tal opinião inflamada. Na altura o puto não considerava inflamada. Digamos que à época apenas perguntava: "então o que pensas que vai acontecer hoje?". 

O jogo Portugal-Coreia do Sul foi o jogo J. Aquele em que ele quis ser o que tenta conquistar hoje. Aquele puto sentado na bancada do "estádio" da escola amarela, tenta ser hoje mais do que um puto comunicador. Mas tal como em tantos aspectos, esse puto não esquece como começou. Começou assim. Aos 10 anos, 5º ano com relatozitos de futebol. O relato acaba. O leitor de cassetes faz "clack". Fim de cassete. Venha outra. Mas só amanhã. Levanto-me. Digo adeus ao puto, prometo regressar a ele o mais breve possível. Faz-me bem estar com ele. Agora vou tentar dormir. Fica bem, puto, até qualquer dia! 

Esta Lisboa que eu amo

(Escrevi este texto no dia 25 de Julho de 2012, um dia antes de "deixar" Lisboa rumo a Viseu por ocasião do fim da minha licenciatura)

Amanhã vai ser um dia de emoções. Um daqueles dias em que nada parecerá normal. Querida Lisboa é chegada a altura de seguir outro rumo. Levo de ti tantas memórias tantas recordações. Deus tem sido justo demais comigo. Consegui com a ajuda Dele entrar no curso que sempre desejei, na escola que sempre pretendi, conhecer amigos que jamais imaginaria conhecer, inimigos que ainda foram piores do que o que imaginei (e ainda bem, é um ponto positivo porque consegui sair mais forte), colhi as maiores alegrias, chorei nas maiores tristezas, fui feliz e triste, num misto de sensações próprias de mim, como Tu sabes. Tu, Deus e esta Vida minha. Sigo aquela máxima de que se a Vida não tiver altos e baixos, é sinal que algo terminou. Pois, exactamente: ela própria.

De Lisboa levo tanto e guardarei tudo.  Levo os sorrisos das gentes de Alfama, o verde de Monsanto, a doçura de Belém, os pregões da Ribeira, o amor ao Fado da Mouraria, a agitação do Bairro Alto,  o "amarelo da Carris", a calmia tão boa de Benfica, a interculturalidade da Baixa, a arte sacra da Sé, os milagres de Santo António, o cheiro a sardinhas, a imensidão dos miradouros, a emoção e a glória do Estádio da Luz.

Parte de mim, velha Lisboa, repousará e vai ficar eternamente contigo. Ao ler Pessoa, ao ouvir Amália e Marceneiro, vais sentir sempre que estarei em pensamento contigo. Nesta ligação tão especial, tão vibrante nada em mim me fará esquecer-te. Hoje, a poucas horas de te deixar, consigo apenas dizer-te isto: Saudade.

E muito mais fica comigo. E contigo. E não vale a pena dizer. Nem consigo, aliás. É só nosso. Numquam oblivisci. Até um dia destes, quando o destino nos voltar a juntar..