quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

O dia em que um padre me chamou desequilibrado


A minha é a última. E a mim ninguém me impinge um modelo de família. Certo dia, na preparação para uma festa religiosa (sim, tenho 10 anos de catequese, mas catequese "boa" com debate de ideias livre e democrático), um padre, quando na altura se discutia a despenalização do aborto, referiu-se aos filhos que vivem e são criados com apenas um progenitor como "desequilibrados mentalmente", faltando-lhes o outro lado materno ou paterno. 

Admito que, para pessoas que passam a vida fechadas num seminário, a ideia de família seja a do pai, mãe, um filho e um cão para ajudar à harmonia total. Eu tinha 16 anos e levantei-me e saí da sala. Comigo, numa total acção solidária, vieram todos os meus amigos de catequese. O senhor, que deitava aquelas palavras com a máxima certeza, apercebeu-se que estava ali um "desequilibrado". 

Não me importei, sempre fui o que quis ser, por força da minha família, também. Sempre pensei por mim, nunca precisei de muletas. Hoje, com 22 anos não esperem que pense de outra forma. Família é amor, estabilidade, disciplina, rigor, carinho, admiração, orgulho de termos aqueles pais, aquelas mães, aquela mãe, aquele pai. Como diria Benjamim Franklin a verdadeira riqueza de uma família não está no sangue, nem no dinheiro, nem no género. Franklin precisava apenas de duas coisas para ter uma família rica na essência: "paz e harmonia". E no fundo nada, rigorosamente nada, mais importa.












domingo, 4 de janeiro de 2015

Porque gosto de: Eusébio (III)





Sobre Eusébio já se escreveu tudo. Melhor do que qualquer um de nós, para contar histórias e episódios do King, estão os seus companheiros de sempre, no seu clube do coração e na selecção portuguesa. Quem marca 638 golos em 660 jogos, desses 476 golos em 445 jogos pelo Benfica, vence 5 Taças de Portugal, 11 campeonatos portugueses, uma Taça dos Campeões Europeus (e por pouco não ganhava outra), uma Liga Americana, duas Botas de Ouro, outra Bota de Ouro do Campeonato do Mundo e uma Bola de Ouro em 1966, pouco há a acrescentar. Principalmente porque sendo o Benfica uma grande equipa europeia e mundial na altura, não havia os recursos tecnológicos e médicos que hoje estão à disposição de clubes e jogadores, não havia a imprensa rápida a postar vídeos com golos e momentos quase imediatamente a estes acontecerem, não havia o folclore mediático que hoje verificamos… Era um conjunto de “não havias”, onde havia tudo o resto que interessa: o amor à camisola, o empenho, a garra, o suor… Falar do Eusébio jogador muitos falam. E muito bem.




Mas eu prefiro falar no Eusébio fora do campo que de forma nenhuma pode ser dissociado do Eusébio jogador. Isto porque o respeito que conquistou pela sua forma de estar enquanto jogador da bola, foi o mesmo respeito que lhe foi prestado depois de abandonar a carreira de futebolista. Aquela bola de trapos que começou a tratar por tu em Lourenço Marques onde desde cedo percebe a amargura e a dificuldade da vida, mesmo que se tratasse de um predestinado. Nem ele saberia que dali a uns anos viria a conquistar o trono, viria a ser só e apenas o melhor jogador português de todos os tempos: pelo que conquistou, pelo que deu a conquistar, pelo que ganhou, pela forma como ganhou e até como soube perder, o que foi raro mas aconteceu. Quem não se lembra dos famosos cumprimentos aos guarda-redes quando estes defendiam os seus remates quase teleguiados. Quem não se lembra das amizades cultivadas com os seus adversários dentro de campo. E é esta postura, esta forma de estar na vida que o distancia de muitos e que o coloca, como poucos, no galardão dos melhores. E Eusébio está lá por mérito próprio.





Fui a Lisboa neste Verão e porque me foi impossível acompanhar as cerimónias fúnebres presencialmente, fiz questão de ir ao cemitério onde jaz até que se cumpra o desejo de milhões de portugueses, benfiquistas mas não só, e seja levado até ao sítio onde repousam os melhores. Lá estava o seu túmulo, naquele sítio, no meio de tantos, junto ao do Zé, ao lado do do Manel, atrás do túmulo de uma Maria qualquer, entre o povo, de onde nunca saiu e fez sempre questão de estar. Está no alto do cemitério do Lumiar mas por puro acaso: não está distante, nem à parte, está ali entre centenas de homens e mulheres. É incrível ali chegar e perceber que um dos grandes atletas que este Mundo conheceu, jaz junto de cidadãos anónimos, num acto de pura simplicidade e humildade até na morte. E aqui se cumpriu o desígnio de Eusébio.


Flores que entreguei ao Rei Eusébio


Com 7 letras se escreve humilde, com 7 letras se escreve Eusébio. Duas palavras que jamais se dissociarão. Por todos nós, um povo tão diferente como as suas fintas, tão forte quanto os seus remates, tão batalhador como as suas longas corridas por esses campos fora. Por todos nós, portugueses, que jamais esqueceremos, a sua forma de estar na vida. Ele faz parte dos grandes, é uma lenda, como poucos o são e virão a ser. É dos bons e é português. Orgulhemo-nos. E é por isso que gosto de Eusébio. 


Urna de Eusébio no centro do relvado da Luz