terça-feira, 8 de março de 2011

os limites de um povo

Começo por desejar um óptimo dia da mulher para todas as mulheres que me lêem neste momento.

Mas escrevo para demonstrar o meu maior descontentamento pela vitória dos "Homens da Luta" no Festival da Canção 2011. Primeira razão: popularidade - a dupla Jel e Falâncio aparece em tudo o que é sítio e de um modo, nada engraçado diga-se, consegue fazer rir toda a gente que não tem mais nada que fazer senão rever-se em dois humoristas que, reforço: não tendo graça, fazem aquilo que muitos gostavam de fazer (acho que a ousadia e a coragem são duas características positivas neste grupo. O problema é a ousadia extrema).

Segundo ponto: este grupo desrespeitou anos e anos de história do Festival da Canção - um festival que promove a música portuguesa lá fora, a história de um povo, os seus valores, atitudes e formas de estar na vida, bem como os artistas, as vozes, os ícones... Nesta música vai muito pouco do que é ser português: alegria? Não me parece. Luta? Só se for interesseira, só se a luta fôr porque nos cortam aqui e ali e esquecemos toda a restante população. Capacidade de cantar? Não, nada ali foi mostrado. Ícones interessantes de se mostrar? Também não. Mais valores? Nenhum: aliás o número de vezes que a palavra "luta" foi repetida mete mesmo confusão.

Terceiro e último ponto: é um ultraje a todos os artistas de um antigamente que procuramos esquecer. É um ultraje para músicas tão lindas (em todos os aspectos) que tivemos em anteriores festivais. E não é uma questão de subjectividade. Não é. É uma questão de racionalidade e de dar valor às coisas. E o que estes senhores fizeram foi tudo menos valorizar algo muito simples: a música portuguesa. Dizia o Jel: "Portugal não é só Fado". Bem, antes ser só Fado do que esta música que nem estilo tem, nem popular se lhe pode chamar. Chamem-lhe tudo: representação da luta, representação de sentimentos de raiva, de contestação, não lhe chamem representação de um povo. Aquilo é tudo menos representação do povo português.

Eu não me revejo naquilo. E não é por se chamar "luta". É porque lutar é saber pensar, é conseguir racionalidade e é sobretudo respeitar. Mas, se este festival já nem de respeito abona, continuará assim por mais um ano... E outro e outro... Porque agora muitas "lutas se vão alevantar". Preparem-se porque esta palhaçada (desculpe quem gosta) vai continuar...

segunda-feira, 7 de março de 2011

o que não cabe nas estatísticas...

Antes que tudo dizer que sou totalmente a favor do uso de estatísticas, logo da realização do Censos. Mas que sejam verdadeiras estas estatísticas. Bem sei que há muitos dados que não entram nos números, porque não interessam, porque “são irrelevantes”, porque é cómodo, ou porque o Governo não gosta.

E um dos dados que não entra para estas estatísticas “super modernas” é o número de casas que não têm casa de banho (não se vai perguntar se a casa tem ou não casa de banho): a procura de branquear todos os casos de pobreza extrema que há neste Portugal é clarificada neste tópico. Mas não se fica por aqui: o número de pessoas a recibos verdes será incluído no número de trabalhadores por conta de outrém, logo o número de trabalhadores precários será claramente escondido. É realmente incrível que para estatísticas oficiais não entre a verdadeira realidade, aquela que a sra. Maria tem quando chega a casa e tem que urinar para um balde que depois deita no caixote do lixo; aquela que o Zé vive no seu posto de trabalho e nas contas para pagar. E esta realidade não entra nas estatísticas. Claro está que poderia ser (como eles adoram dizer) estatisticamente irrelevante o número de casas sem quartos de banho, mas essa irrelevância mostraria, sem dúvida e absolutamente, a nossa incapacidade de anular essas irrelevâncias.

E, a tentativa de colocar Portugal num palco super moderno e não admitir, frontalmente, o que temos é claramente de um país que ignora os anos de história que temos, as pessoas com capacidade empreendedora que temos e a heroicidade de alguns lusos que (infelizmente não ressuscitam). Ao invés colocamos nestes estudos tudo o que de mau temos: a ignorância, a insensibilidade, a desumanidade, a triste capacidade de não resolver problemas, o modernismo irresponsável…

Isto só continua com este Censos 2011 que vai fazer o que o senhor PM faz todos os dias: dizer que todos somos felizes e contentes; e isto durará até ao dia em que alguém se passe e através de uma multidão revoltada acabe com a “tolerância e pacificidade” de um povo que está farto de ser calado, humilhado, ignorado, enxovalhado.
E aí podemos dizer adeus a estatísticas irrelevantes porque essas até já nem farão falta. Valerá mais a força do povo aliada a uma capacidade de luta e de contestação que as estatísticas, por muito que se esforcem, não medem.