domingo, 23 de julho de 2017
Sobre Cristinas e mundos perdidos
Fui há uns tempos a uma cidade no Alentejo. E por aquelas bandas havia duas raparigas que por lá passeavam de mãos dadas. Surgiu, no meio de tanta gente que andava na zona, uma voz que alto e bom som diz, "Este mundo está perdido".
À voz afirmativa, surgiu um estalido e um abanar de cabeça próprios de quem tem a certeza de que a razão de todas as desgraças do mundo, não moram na América liderada por Trump, nem na China onde continua a morrer gente de forma arbitrária. Não. O mundo está perdido porque ali, naquela cidade perdida no mapa, o mundo arranja o motivo para se perder.
Pois, caríssima senhora, o mundo não se perde por tão pouco. Este mundo está perdido porque há gente que rouba, porque há gente que corrompe, porque há gente que mata, porque há gente que tortura. Há gente que fere outra gente. E o mundo está perdido por isso.
Mas perdeu-se por mais razões. É que há fome. Há miséria. Há desemprego. Há pobreza. Há jovens que estudaram uma vida inteira para exercerem uma profissão que este mundo (para si perfeito sem aquelas jovens e outros jovens deste mundo que dão as mãos) não os deixa exercer.
Este mundo está perdido porque há velhos agredidos, jovens sem futuro e adultos desesperados.
É por isto que este mundo está perdido.
Não é por duas mãos dadas que este mundo se perde. Talvez até ganhe. Mas é preciso que se respeite todas as vontades. E essas jovens só pediram isso.
Talvez o mundo um dia se venha a perder. Quando não houver ninguém que lhe lembre que o respeito é o motor do mundo. Do mundo que jamais se perderá.
Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade
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